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O Dia das Bruxas, o medo e suas representações

Halloween tem sua semiótica

O Halloween, ou Dia das Bruxas, acabou tendo, em grande medida, suas representações dominadas por imagens produzidas nos Estados Unidos ou pela sua associação ao cinema de horror. Isso se deu diante de uma produção artística controlada pela indústria de entretenimento voltada à produção em escala industrial e para o comércio. Contudo, não se deve resumir o dia das bruxas ao seu estereótipo mais evidente e recente.

Para tanto, é preciso, de partida, entender os fenômenos sociais relacionados às antigas crenças em torno da morte e a questão da construção do medo na sociedade. O Dia das Bruxas não é uma criação malvada do imperialismo cultural, mas uma construção cultural que remonta há séculos ou mesmo milênios. Embora não haja uma absoluta certeza, essa data provavelmente surgiu de um festival praticado pelos celtas, povo que habitava as Ilhas Britânicas e que possuía uma religião pagã séculos antes da penetração do cristianismo na região. Conhecido como Samhain, esse festival, realizado todos os anos entre 31 de outubro e 1º de novembro, era dedicado aos mortos. Os celtas acreditavam que, nessa época, as barreiras existentes entre o mundo dos vivos e o dos mortos deixavam de existir e, com isso, os mortos poderiam peregrinar pela terra antes de irem para o seu destino final.

Nos séculos seguintes, observa-se um processo de fusão de elementos da cultura pagã dos celtas com elementos introduzidos pelos cristãos quando as Ilhas Britânicas foram cristianizadas. Essa fusão ocorreu possivelmente entre os séculos XIV e XVIII. Desde sua criação, a Igreja Católica incentivou a cristianização da Europa, buscando, para facilitar a assimilação do cristianismo em regiões pagãs, ressignificar elementos e práticas dessas culturas. Originalmente, a Igreja possuía uma festa conhecida como Dia de Todos os Santos, comemorada em maio, tendo sido instituída nesta data por conta de uma festa romana chamada Lemúria, que era realizada para afastar espíritos malignos. No século VIII, o papa Gregório III decidiu transferir essa data para 1º de novembro, e o papa Gregório IV oficializou essa data para toda a Igreja. Em 1º de novembro, passou a ser comemorado o Dia de Todos os Santos, e, no dia 2 de novembro, instituiu-se o Dia de Finados ou Dia dos Mortos, reservado para oração pelas almas que se encontravam no purgatório. Em meio a essas celebrações, o dia 31 de outubro acabou transformando-se no dia chamado de All Hallows’ Eve, em inglês, ou véspera do Dia de Todos os Santos. 

O Halloween só se tornou internacionalmente conhecido depois de ter se popularizado nos Estados Unidos, o que ocorreu somente em meados do século XIX, quando houve uma grande migração de irlandeses para a América do Norte. Portanto, antes de ser uma mera ação comercial de Hollywood, o Dia das Bruxas é a expressão das crenças no sobrenatural, que acompanham a humanidade há milênios, e da construção coletiva do medo, vivenciado em diferentes épocas e que tem as mais diversas causas. Essa crença no sobrenatural pode ser associada à falta de compreensão racional e científica do mundo, quando se procura a causa em fenômenos que não podem ser explicados, indo desde questões ambientais, como uma chuva intensa ou algum desastre natural, até coincidências fortuitas do cotidiano, como o compartilhamento de sensações ou mesmo intuições por pessoas distantes. Criam-se, assim, representações fantasiosas como a ira de Deus ou a ideia de espíritos, entre outras explicações não-científicas.

Ao mesmo tempo que se criam e se fortalecem essas crenças, se cria o medo diante daquilo que parece estar fora do controle. Se essas forças inexplicáveis podem prejudicar a humanidade, de forma coletiva, ou as pessoas, de forma individual, então devem ser temidas e inclusive se criam formas de extirpá-los, seja um grande barco para proteger os casais de todos os animais existentes ou rituais fantasiosos para afastar espíritos malignos, como o exorcismo. Contudo, à medida em que esses fenômenos vão ganhando uma explicação racional ou que as soluções fantasiosas são desmascaradas, a humanidade também vai abandonando essa compreensão mística. E, com isso, o Dia dos Mortos e sua preparação nos dias anteriores se torna, para as pessoas em geral, muito mais um momento de reviver o luto da perda dos entes amados do que um ritual sobrenatural para reencontrar almas perdidas entre os vivos.

Essa racionalização dos fenômenos até então tido como sobrenaturais e sua retirada do cotidiano acabam, com isso, ganhando espaço na indústria cultural. O cinema de horror é a principal expressão disso, sendo o mês de outubro um período de muitas estreias de produções desse gênero tanto no streaming como no cinema. Contudo, também neste caso, não se trata de resumir a questão a uma mera imposição da indústria cultural. O medo é um sentimento irracional que afeta todas as pessoas em diferentes situações, sendo inclusive, em alguns casos, um elemento constitutivo de sintomas de transtornos mentais. O medo persegue a humanidade, como um sentimento legítimo e permanente, sendo que cada época acaba por expressá-lo de diferentes formas. O medo das bruxas, no final do medievo e início da modernidade, está associado a transformações nas relações de produção feudais em que a própria família e a organização da sociedade se modificaram profundamente. O vampiro se mostra como a expressão da antiga sociedade aristocrática que, mesmo perdendo o controle do Estado depois da tomada do poder pela burguesia, tentou sobreviver parasitando nas novas relações de produção. E isso para não falar da ciência, essa desconhecida, que tantas promessas de futuro fez, mas que sempre mostrou suas fragilidades e a possibilidade de perder o controle.

Portanto, o Halloween não pode ser reduzido a uma mera imposição comercial ou midiática, tratando-se de um fenômeno que carrega referências, símbolos, pensamentos, sensações, enfim, uma série de elementos culturais compartilhados pelas pessoas, diante do medo, do sobrenatural, do desconhecido…

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