Os zumbis e a ameaça de extinção da humanidade

Zumbis de 'The Walking Dead' são uma das expressões culturais da sociedade capitalista nas últimas décadas

Diante da pandemia que assolou o mundo em 2020, com o adoecimento massivo de pessoas e mortes decorrentes da contaminação pela Covid-19, foi comum encontrar um medo generalizado entre as pessoas. Essa percepção de uma tragédia leva, há séculos, à criação de imagens na cultura, que acabam sendo reproduzidas e recriadas pela ficção literária, cinematográfica e televisiva. Epidemias, pandemias, contágios misteriosos, grande quantidade de mortes, entre outros aspectos vistos no cenário mundial recente, encontram semelhanças em muitas obras literárias e cinematográficas. Em uma das produções de televisão mais populares dos últimos anos, a série The Walking Dead, de forma misteriosa as pessoas voltavam a vida depois de morrerem. Essa figura dos zumbis, presentes também em outras produções, é uma das expressões culturais da sociedade capitalista nas últimas décadas.

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++ Os mortos caminham

Essa ideia de um vírus ou bactéria que afeta grandes proporções de pessoas e chega a coloca em risco a humanidade não é novidade. Na medida em que a humanidade há séculos vivencia surtos, epidemias e pandemias, há séculos esses processos são retratados em obras artísticas. O livro Eu sou a lenda, de Richard Matheson, que também inspirou um filme, foi publicado em 1954. Mary Shelley, em 1826, já retratava um mundo devastado por uma praga, em seu livro O último homem. Uma das obras mais antigas que se passa em um cenário de mortes de amplos contingentes da população é o Decamerão, de Giovanni Boccaccio, escrito no século XIV, que mostra um grupo de pessoas que se abrigam em um castelo próximo para fugir da peste negra.

Contudo, ainda que remonte aos séculos anteriores, o século XX parece ter sido um cenário propício para a criação de obras artísticas que mostravam o risco de extinção da humanidade. O imaginário trágico parece estar associado à destruição provocado pelas guerras que marcaram o século. Essas guerras mostraram que a humanidade havia conseguido desenvolver forças tão destrutivas que poderiam dizimar a vida no planeta.

Passado a Primeira Guerra Mundial (1914-18), não demoraria para que novamente a humanidade se visse diante de um novo conflito bélico. Embora não fosse exatamente inédito, se forem considerados processos como o massacre das populações anteriores à chegada dos Europeus no continente americano, a Segundo Guerra, corrida entre 1939 e 1945, colocou em destaque o perigo de genocídio.

Contudo, se a ideia do fim do mundo não é novidade, fazendo parte do imaginário cristão da Europa até o século XVI, seu adiamento também é uma constante. A literatura, as diversas produções audiovisuais e outras expressões artísticas e culturais vêm sendo uma espécie de crônicas dessa adiada expectativa de dizimação da humanidade.  As produções artísticas são justamente uma forma de mostrar que, por mais que haja a destruição, sempre há sobreviventes e, apesar do sofrimento causado pela dizimação da população, a possibilidade de reconstrução.

No século XX, essas diversas produções culturais ampliam o uso da figura do monstro como principais ameaças à humanidade. No contexto posterior à Segunda Guerra, se produz a figura do zumbi moderno, uma metáfora para as perigosas massas que cercam a burguesia e ameaçam a propriedade privada nos grandes centros urbanos. Os zumbis são cadáveres que caminham, mantendo somente algumas atividades motoras responsáveis pela locomoção e pela alimentação.

Diferente de monstros criados anteriormente, o zumbi é um monstro coletivo. Embora possam atacar sozinhos, se tornam perigosos quando atuam em horda, cercando grupos de pessoas vivas, com vistas a comer partes de seus corpos. São seres cujas ações não apresentam uma intencionalidade. Os zumbis são o monstro típico de uma sociedade de massas, com grandes concentrações em espaços urbanos, onde podem se locomover e encurralar suas vítimas.

Portanto, assim como a burguesia novecentista expressou na literatura de horror os seus próprios monstros, as produções culturais das últimas décadas encontraram nos zumbis uma das diversas formas de mostrar seus medos diante da possibilidade da extinção da humanidade. Para tanto, criou a representação de seres sem identidade e consciência, surgidas de dentro da própria sociedade, vistas como incapazes de raciocinar, que agem sem um objetivo definido.

Na representação do futuro, uma ampla massa de desesperadas atacaria o que restava do poder, em busca do mínimo para sua existência. Essas criaturas precisariam ser controladas, para não colocar em risco a vida em sociedade dos vivos, e, caso isso não funcione, deveriam ser destruídas. Esse mundo teria como principal característica a violência desenfreada, em que poucos escapariam da morte.

Quando a humanidade se enxerga ameaçada por algo perigoso, seja um vírus ou monstro gigante, que coloca para a humanidade o risco de extinção, procura expressar esses medos também nas artes. O imaginário recente, construído depois de guerras e diversos desastres, como o holocausto ou mesmo o surgimento de diversos vírus, é bastante pessimista. Nas pessoas há um certo desespero, mas que não leva necessariamente a um fim. Com a epidemia recente ficou demonstrado um espírito de resistência, em que as pessoas lutaram por direitos e, diante do desconhecido, lutaram.

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