“Apenas os vivos estão perdidos”: percorrendo os Livros de Sangue

Clive Barker segue chamando atenção

Na década de 1980, um jovem escritor britânico de terror, naquele momento ainda pouco conhecido, levou a público a coletânea de contos chamada Livros de sangue. Passados cerca de quarenta anos, o nome de Clive Barker está entre os mais elogiados e celebrados escritores de horror, com uma obra que inclui, além de contos, romances, histórias em quadrinhos, direção e roteiro de cinema, artes plásticas e, ainda que seja uma faceta menos conhecida, poesia. Felizmente, o escritor, durante muito tempo pouco publicado no Brasil, nos últimos passou a ganhar um grande espaço na editora Darkside, especializada em terror, suspense e fantástico.

No Brasil, os Livros de sangue tinham sido publicados há cerca de trinta anos pela editora Civilização Brasileira. No projeto editorial da Darkside, responsável pela edição recente da novela que havia dado origem ao filme Hellraiser, até então inédita no Brasil, e do conto que inspirou o filme Candyman. Além disso, a Darkside publicou o romance Evangelho de sangue, escrito por Barker após a recuperação de sua saúde e de um longo hiato de escrita.

Os Livros de sangue são constituídos por seis volumes, publicados originalmente entre 1984 e 1985. São dezenas histórias, que variam da fantasia, do horror extremo, do gore, e até mesmo algumas com tom cômico. Certamente o mais conhecido, que abre o primeiro volume, é a da investigação paranormal em uma casa que é uma espécie de bifurcação no caminho dos mortos. “Os mortos têm estradas”, é a primeira frase do livro, também repetida ao final do último conto, com o complemento: “Apenas os vivos estão perdidos”.

No conto, um jovem charlatão que enganava sobre poder se comunicar com os mortos termina por ter as histórias dessas almas literalmente gravadas em sua pele. Eis os “livros de sangue”, histórias gravadas em pele viva, “um mapa daquela estrada escura que começa na vida e ruma a destinos desconhecidos”, nas palavras do próprio Barker. Essa foi a premissa da adaptação cinematográfica que leva o nome da coletânea de contos, em sua versão ao cinema, se conectando ao pós-escrito que fecha sexto volume.

Outra história presente nos livros de sangue bastante conhecida é “Candyman”, do quinto volume. O conto já havia ganhado uma edição única pela própria Darkside. Na história contada por Barker a adaptada livremente em quatro filmes, uma misteriosa figura assombra pessoas que chamam o seu nome na frente do espelho. Embora essa premissa pareça um pouco comum demais, cabe a esse conto e suas adaptações ligar os horrores da escravidão do passado com o racismo contemporâneo e seu impacto na vida de populações que vivem na periferia das grandes cidades.

Outra história dos Livros de sangue que virou filme foi “O trem da de carnes da meia-noite”, do primeiro volume, em que o protagonista, depois de adormecer no metrô, descobre, quando acorda, uma cena de assassinato em um vagão à frente, com vários corpos, nus e sem pelos, pendurados como peças de açougue. Faz parte ainda do grupo de contos adaptados ao cinema “A última ilusão”, que apresenta o detetive Harry D’Amour, que viria a aparecer em outros momentos da obra da Barker.

Outros contos também ganharam adaptação, mas também chama a atenção histórias nunca adaptadas. Entre as histórias menos conhecidas, encontra-se “Novos assassinatos na Rua Morgue”, do segundo volume dos Livros de sangue, uma releitura criativa do conto de Edgar Allan Poe. Puxando mais para o humor, certamente uma das mais inusitadas é “A política do corpo”, do quarto volume, em que se narra uma rebelião de mãos contra a opressão a que são submetidas pelas pessoas, e que tem como protagonista uma mão decepada chamada apenas de Esquerda.

Os contos de Livros de sangue reúnem uma diversidade criativa de histórias que podem agradar os mais variados gostos dos admiradores do horror. Mostram que Clive Barker é, ao mesmo tempo, um escritor versátil e criativo que, mesmo quando escreve sobre temas sobrenaturais, não deixa de olhar para a sociedade e suas contradições, fazendo uma literatura que ajuda a compreender os problemas da sociedade e a necessidade de superá-los.

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