A vida da Criança-Zumbi

Sobre o dorama "Tudo bem não ser normal"

Na onda do sucesso alcançado pelos chamados “doramas”, uma das séries que se destacou nos últimos anos foi Tudo bem não ser normal, seja por abordar temas delicados relacionados à saúde mental ou seja pela qualidade da série da Netflix. Contudo, independente desses fatores, um dos aspectos que mais se destaca está no fato de as histórias fictícias escritas pela protagonista da série terem ganhado vida em animações exibidas ao longo de alguns dos episódios. E que essas histórias, por conta do sucesso da série no exterior e no Brasil, terem sido publicadas em formato físico!

++ Leia também: ser ou não ser normal?

Na série, somos apresentados a Ko Moon-young, jovem escritora de livros infantis que sofre de transtorno de personalidade. Solitária, anti-social, com um comportamento muitas vezes violento, ao longo dos episódios vamos conhecendo sua trágica história e de sua família, marcada pela violência, pelo abandono, levando à construção de uma personalidade solitária e assombrada pelo passado, que evita o contato com as pessoas como forma de proteção. 

Contraditoriamente, essa personagem com tantos traumas e sofrimentos escreve história para crianças, e não deixa de passar seus sofrimentos para as páginas que escreve. Uma das histórias mais impactantes é a da Criança-Zumbi, um menino de pele muito pálida e olhos bem grandes que nasceu num pequeno vilarejo. Conforme crescia, sua mãe percebeu que ele não tinha sentimentos e que tinha uma fome insaciável. Todas as noites, a mãe roubava animais das casas vizinhas para alimentar a criança, criando-a em segredo.

“Um dia, roubava uma galinha… No outro, um porco… E então, uma cabra…”

Quando uma pandemia atingiu o vilarejo, o que restava dos animais morreu e muitas das pessoas também. Os sobreviventes, para escapar, deixaram o vilarejo. Contudo, a mãe não podia deixar a criança, sendo obrigada a tomar medidas drásticas para salvar o filho.

“… então a mãe cortou uma de suas pernas e deu para a criança faminta”

Parte por parte de seu próprio corpo, a mãe alimentava a criança, dando a ela todos seus membros.

“Da mãe, só restou o tronco”.

Não havia muito mais como alimentar a criança. Diante dessa situação, havia apenas uma solução.

“Então a mãe se aproximou do filho e entregou-lhe o que restara do seu corpo”

Essa foi a primeira vez que a criança abraçou a mãe.

“Mãe, como você é quente”

E então o pequeno livro deixa a pergunta:

“Era alimento o que a criança queria? Ou o calor da mãe?”

No contexto da história de Moon-young, ao longo da série, evidenciam-se alguns elementos em comum. Um deles passa por Moon-young ser vista como uma pessoa sem sentimentos, sendo mostrado na série que, na realidade, ela apenas os escondia diante de todos os sofrimentos vividos.

Outro passa pelo tão comentado abraço, afinal Moon-young em diferentes momentos da série evidencia sua carência e o quanto deseja o reencontro (e o abraço) da mãe desaparecida anos atrás. 

Quando criança, Moon-young passou por momentos de profunda violência psicológica, vivendo num ambiente sem afeto e carinho. A fome da Criança Zumbi é uma metáfora para a busca desse calor humano. Não por acaso, em toda a série, Moon-Young está com fome e passa muitos momentos se alimentando.

Moon-young ao longo de Tudo Bem Não Ser Normal precisa descobrir se ela própria precisa apenas se alimentar (ou sugar as forças de todos ao seu redor) ou se precisa de um abraço (ou construir relações de carinho e afeto). Como a Criança Zumbi sente o calor pela primeira vez, Moon-young precisa aprender o que é o afeto. Essa é a jornada da série, expressa neste e nos outros livros fictícios de Moon-young, e que vale a pena ler e assistir.

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