Cowboy Bebop – a série que não deixará saudades

Ainda bem que foi cancelado

Menos de um mês após sua estréia na NETFLIX, a série Cowboy Bebop foi cancelada. Sinceramente, não deixará saudades.

++ Leia também: 7 Animes “curtos” para assistir antes de Cowboy Bebop

A série é uma adaptação de um desenho animado japonês (anime para os iniciados) de 26 episódios que foi ao ar em 1998 e 1999. Criada por Shinichirō Watanabe e com trilha sonora de Yoko Kanno, não seria exagero dizer que o desenho é considerado uma das melhores séries animadas de todos os tempos. Ficção Científica, Jazz, Western Espacial, Comédia… não faltam gêneros que se misturam tão incrivelmente bem que certamente inspiraram e inspiram diversas produções até hoje (Firefly, Mandalorian, Rebels, etc.)

O motivo exato do cancelamento tão rápido, só os executivos da Netflix saberão responder. Só nos resta especular – vamos por partes então (com alguns spoilers):

Parte 1 – Expectativas:

Depois de algumas adaptações consideradas péssimas, como Death Note, a Netflix parecia ter aprendido. Não fizeram lavagem branca (white washing no original – termo utilizado quando as produções colocam atores brancos para representarem personagens originalmente não-brancos), trouxeram o criador do desenho animado como consultor e a Yoko Kanno para participar da trilha sonora. Além disso, divulgaram um excelente teaser mostrando que estavam não só atentos a estética como também estavam dispostos a brincar com a mídia para transformar a série em algo único em seu catálogo.

Mas ficou só nisso mesmo, na expectativa. O visual se tornou mais um peso do que um chamariz estético. Conforme a série vai passando é notória a utilização de cenas no escuro e ambientes mais simples para facilitar a produção.  As brincadeiras e humor do teaser não são utilizados na série. O excesso das caricaturas que deveriam homenagear o desenho acabam se tornando bobos e desencaixados com as partes mais “pé no chão” apresentadas.

Parte 2 – Atuação e personagens

Verdade seja dita: John Cho (Star Trek), Mustafa Shakir (Luke Cage) e Daniella Pineda (Jurassic World) foram excelentes escolhas para os papéis de Spike, Jet Black e Faye Valentine respectivamente. Mas acabou por aí. Parece que todo o resto do elenco recebeu a direção: “imagina que você é um desenho animado” e virou uma bagunça. Alex Hassel (The Boys) está comicamente exagerado como o vilão Vicious: esbugalhando os olhos e berrando frases de efeito sem sentido.

Elena Satine, como Julia, está apenas com cara de assustada. No anime ela só aparece de fato em meio episódio, já que representa uma pessoa idealizada na memória de Spike. Na série tiveram a boa iniciativa de dar mais espaço para a personagem, mas esqueceram de dar uma história de fato. 90% do tempo ela está assustada, vitimizada e sendo a “donzela a ser resgatada”. Isso é tão forte que a participação dela no último episódio, ao invés de dar uma satisfação pelo empoderamento de alguém que passa a maior parte do tempo oprimido, fica sem o menor sentido.

E quando, finalmente, Ed aparece? Nesse momento tive vontade de desligar a TV com uma pedra. Primeiro, porque quem não conhece a personagem não vai fazer a menor idéia de quem possa ser, já que Ed é mencionada em apenas uma fala 4 ou 5 episódios anteriores. Segundo que, para quem conhece a personagem, as escolhas para sua representação parecem advindas de um vilão de peça infantil de shopping center.

Parte 3 – Estamos em 2021, não há desculpas para certas faltas de cuidado.

Cowboy Bebop, em 1998 no Japão, apesar de ter diversos problemas típicos da época e do tipo de produção (objetificação feminina, piada com peitos, etc.) consegue ser bastante inclusiva para o seu tempo. Faye é objetificada visualmente, mas sempre foi independente e nunca teve um par romântico. Além disso, o desenho mostra personagens importantes de gênero fluido, diversidade de raça e homosexualidade mostrada de forma natural.

A mudança de figurino da Faye parecia um prenúncio de que a série tomaria cuidados importantes. Só parecia: já no primeiro episódio temos uma piada com peito. No episódio seguinte, Hakim, um ladrão de cachorros, é apresentado como um personagem preto. Mas ele utiliza um disfarçe eletrônico que muda sua aparência, o tornando um ator branco. Ok. Mas aí, na primeira cena de luta o disfarce quebra e ele volta à sua aparência original, e ele não fala NADA enquanto é representado pelo ator preto. Um número total de zero falas até ele consertar o disfarce e voltar a ser branco. Aí acontece toda aventura, ele é preso e continua “disfarçado”. Pra ter fala ele tem que ser branco, mas para fazer uma única cena de ação que remete ao desenho original, ele é preto.

Ein, o icônico corgi, não tem sua história explicada na série. Então, quando ele é “hackeado” por Mad Pierrot, isso é uma surpresa que não faz o menor sentido dentro da própria série. E os personagens, os heróis, ao invés de deixar Ein em algum lugar para que o possam buscar depois e entender o que aconteceu, não: ABANDONAM O BICHO NO MEIO DA RUA! Mesmo depois do EIN TER SALVO ELES DO MAD PIERROT! Vamos pôr um abandono de animal na série, vai ser ótimo! SQN.

Parte 4 – Tensão fabricada

Jet Black é apresentado na série como um ex-policial desconfiado de tudo. Afinal, foi traído por algum colega de trabalho, perdeu o emprego e a reputação e foi obrigado a se tornar um caçador de recompensas. A série não deixa claro, mas Spike e Jet já estão trabalhando juntos há bastante tempo, possuem códigos e piadas internas e aparentemente se dão bem, apesar de umas pitadas de uma relação cheia de implicância típica de filmes como Máquina Mortífera. Ou seja, nesse contexto, considerando que Jet é um ex-policial desconfiado de tudo e de todos e ultra cuidadoso por conta de seu passado, não faz o menor sentido ele não saber ou não ter perguntado sobre o passado de Spike assim que o conheceu. Mas, descobrimos logo no início que Spike nunca contou que era ex-membro de uma organização criminosa e nesse momento se anuncia o clichê: o segredo será revelado no pior momento possível e a amizade ficará abalada. Quando isso de fato acontece, a tensão é zero.

Outro clichê: Quando um plano é contado em seus detalhes, sabemos que ele não vai sair da maneira que foi planejado. Dependendo da história, muitas vezes aceitamos o clichê. Mas quando isso acontece como o principal clímax em DUAS histórias dentro de UM MESMO EPISÓDIO, temos um problema.

Parte Final – Você não é o anime.

Já é difícil adaptar um livro para filme ou série. Mas, por serem mídias bem diferentes, há liberdades e necessidades para mudanças, reinterpretações e cortes. Quando se resolve adaptar um desenho animado para série live-action ou um longa animado para longa live-action, é uma sinuca de bico: ou você escolhe ser fiel ao original e a produção se torna repetida e desnecessária (vide Alladin, A Bela e a Fera e Rei Leão); ou você resolve arriscar em mudanças que podem desmontar justamente o que tornou o original único e criativo.

A série live-action de Cowboy Bebop, por exemplo, possui 10 episódios com duração média de 45 minutos totalizando aproximadamente 7h30m. O anime tem 26 episódios de 22minutos, totalizando 9h30min. Seria fácil pegar exatamente as mesmas histórias, reorganizá-las e cortar algumas para trazer pro live-action. Afinal, são dois meios bem parecidos. Se isso tivesse sido feito, estaríamos na categoria “Rei Leão”: desnecessário.

Ao tentar ficar extremamente próxima da animação em termos visuais, especialmente em alguns momentos mais marcantes, o live-action se coloca numa armadilha. Um desenho animado não tem orçamento para efeitos especiais. Um live-action tem, e é caro. Não é possivel representar tudo. Ou seja: a série nem fica próxima o suficiente do anime para agradar os fãs e nem tem personalidade própria o suficiente para caminhar sozinha. Para driblar o problema do orçamento, a solução foi aumentar o drama novelesco, principalmente em TODAS as cenas involvendo Vicious e o Sindicato.

Conclusão

Eu estava torcendo muito para que a série desse certo. Conforme fui assistindo os episódios, vi diversos bons momentos: algumas cenas de luta bem coreografadas, algumas soluções visuais interessantes, algumas cenas de humor bem concebidas. Parecia ter potencial. Acredito que deveriam ter sido mais ousados em criar uma personalidade própria para a série e terem se apoiado menos nos clichês vazios de tensões fabricadas.

O final foi bem ruim: Vicious foi um péssimo vilão com um arco planificado, motivações rasas e atuação exagerada. O que foi mostrado dele até o momento da luta final não justifica o Spike não ter ganho em 5 segundos. A mudança da Julia entre: “Vou correr para o Spike porque o amo” para “Cansei de ser joguete dos outros, toma aqui um tiro, Spike!” é gratuita; e a aparaição de Ed no final me fez agradecer pelo cancelamento da série e não ser “obrigado” a aturar aquilo por mais episódios.

Nota 5

Fique com o trailer da série:

 

 

 

 

Arquivos

Leia Mais
‘Invencível’ tem trailer de parte 2 da segunda temporada