Game of Thrones: o fim de uma era

Confirmando o que havíamos afirmado pouco antes do início da última temporada de Game of Thrones, a série termina com o começo de uma nova era. Embora de forma desigual, todas as regiões dos Sete Reinos vinham mostrando alguma forma, mesmo que incipiente, de modernização econômica, que, ao final, acabou se expressando no governo que emergiu depois da guerra entre os exércitos liderados por Cersei Lannister e Daenerys Targaryen.

(spoilers a partir da daqui)

O último episódio inicia justamente pouco depois de encerrada a guerra, cujo fim é simbolizado pela morte de Cersei. Daenerys não apenas venceu a guerra, mas destruiu grande parte de Porto Real. Conforme discutimos semana passada, essa ação de Daenerys não se deu porque ela enlouqueceu ou porque os produtores se equivocaram, mas justamente porque estava em seu horizonte, desde o começo de sua jornada, destruir o símbolo de algo que vinha trazendo apenas sofrimento e morte para família ao longo de séculos.

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O trono está literalmente desprotegido. Não há mais paredes. Daenerys não se senta nele, mas falou para Jon sobre lembranças de infância. Essa era a marca que o trono deixava em sua alma, e por isso estava mais preocupada em continuar suas conquistas e menos em sentar ali e governar. Depois que Jon mata Daenerys, Drogon, desesperado pela morte da “mãe”, destrói ao trono. O sofrimento do dragão é possivelmente o último a que aquela família foi submetida, restando somente um Targaryen, completamente perdido entre mundos diferentes, que simboliza a união entre o gelo e o fogo.

Ao final, na reunião dos lords e ladies, todas as famílias que tinham se revezado no poder nos séculos anteriores estão destruídas. Os Baratheon são representados por um jovem bastardo e pobre criado como ferreiro. Os Lannister estão representados pelo anão rejeitado durante toda a sua vida pela própria família, agora preso por traição. Dos Targaryen restou somente Jon, criado como bastardo no Norte, e responsável pela morte da sua tia, a última rainha, impedido de participar da reunião.

Portanto, ao final da batalha, temos uma cidade destruída, um trono derretido e as três principais famílias completamente esfaceladas. Isso tudo não simboliza outra coisa que não o fim de uma era. Não se sabe exatamente que era será essa que inicia, ainda que haja um esforço das várias partes para chegar a um acordo de evitar guerras ou, pelo menos, não dar continuidade aos embates sangrentos das décadas anteriores.

Com o fim dessa era de terror e sangue, protagonizada pelos Baratheon, pelos Lannister e pelos, Targaryen, o que virá na sequência? Sam propõe eleições em que todo o povo possa votar, mas sua proposta é rejeitada. Tyrion, que percebe as mudanças pelas quais vinha passando os Sete Reinos, mas que também entende que a mentalidade dos senhores de cada região ainda está bastante atrasada, propõe que seja no voto, ainda que somente dos lordes e ladies, a ser decidido o governante. Dessa forma, é eleito Bran para ser o novo rei.

Essa mudança nas relações políticas foi indicada pela série desde muito tempo. Em algumas das região mostradas ao longo da série, podia-se ver também embriões de novas formas de governar, ainda que o exemplo mais claro seja a independência do Norte, que não é invenção de Sansa, mas algo que há algum tempo colocaram em prática Robb e Catelyn Stark. O fato é que o desenvolvimento desigual e combinado das relações econômicas nas diferentes regiões vinha tencionando as relações políticas, abrindo a necessidade de uma nova configuração do poder central. O que a série mostra ao final é justamente o início dessa mudança.

Para isso era preciso tirar a possibilidade de Jon ser o rei. O Targaryen que era o legítimo herdeiro poderia colocar a perder a possibilidade de mudanças. Essa é possivelmente a parte mais preguiçosa do roteiro, uma solução fácil, criando um motivo para que ele fosse exilado. Com seu ato, além de matar a rainha de momento, também tira a possibilidade de ele próprio ser o rei. Contudo, deve permanecer vivo para que o Norte não se levantasse contra o reino e retorna à Patrulha da Noite como punição por ter matado a rainha.

O arco de Jon, após a derrota do Rei da Noite, se tornou um dos mais incoerentes e fracos da série, como o Tyrion, em seu repentino amor pela família. Pelo menos no caso de Daenerys o arco de manteve coerente, e Tyrion, ao mencionar alguns dos atos de crueldade da rainha, foi perfeito em mostrar o quanto nada do que aconteceu deveria ser surpresa. Tyrion comenta que, como a maior parte dos atos sangrentos de Daenerys tinham sido contra pessoas más, ninguém havia se importando. O problema é que ao ir aceitando essa crueldade e vontade de sangue da rainha como algo até bom, foi se dando mais e mais combustível para aflorar a tirania militarizada que desde sempre esteve no horizonte de Daenerys.

(fim dos spoilers)

No final, apesar dos defeitos, a série mostrou o que desde o começo pretendeu. Sem dúvida foram cometidos erros e, sem dúvida, os criadores optaram por manter ao máximo a coerência narrativa, mesmo que para isso fosse preciso desagradar uma parte dos espectadores, acostumados a finais que sempre expressam suas expectativas de consumidores. O final da série foi feliz no sentido de ter mostrado o fim de uma guerra que acompanhamos durante anos e, agora, vemos os vários lados dela tentando seguir em frente. Game of Thrones sempre foi especialista em quebrar nossas expectativas, não por ser incoerente em sua narrativa, mas porque talvez estejamos muito acostumados a contos de fadas em que o Bem sempre vence o Mal. Em Game of Thrones nunca houve a dicotomia simplista do Bem e do Mal, mas disputas de forças contraditórias que expressavam a complexidade do mundo e apontavam para algum tipo de transformação da sociedade.

Nota: 8

 

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