‘Travessuras da Menina Má’ e as intenções de Vargas Llosa

Escritor usou romance para contar uma boa história e exaltar o liberalismo

Mario Vargas Llosa é um personagem mais interessante do que qualquer livro que seja capaz de escrever. Seu livro Travessuras da Menina Má foi publicado apenas quatro anos antes que o escritor peruano fosse premiado com o Nobel de Literatura, uma honraria que a literatura sul-americana deve aplaudir. A ficção histórica, tema do desafio do mês, usa a história de amor entre duas crianças que crescem em meio a segunda metade do século XX.

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Vargas Llosa, além de escritor, costuma ser referenciado como político. Ex-apoiador da revolução cubana, converteu-se em um neoliberal convicto e candidato às eleições presidenciais do Peru em 1990. Ele perdeu para Alberto Fujimori, que deixaria marcas profundas no país como abortos não consentidos, corrupção e violação de direitos humanos. Apesar disso, o escritor apoiou Keiko Fujimori, filha de seu ex-opositor político, como melhor opção ao governo do Peru nas últimas eleições contra um candidato de esquerda.

Tanta coerência aparece em Travessuras de Menina Má com pitadas da contradição, digna da boa literatura. O peruano Ricardo  Somocurcio (seria um eu lírico do autor?) se apaixona pela aventureira Lily, que sempre o coloca em situações de perigo ou polêmica desde que a conheceu na infância. Os dois se separam depois do primeiro encontro, mas se reencontram várias vezes com o passar dos anos e Ricardo sempre busca concretizar esse amor numa relação impossível enquanto Lily não parece dar muita bola para o amor. Em paralelo, o jovem peruano consegue estudar com afinco e dedicação para deixar o Peru e viver fora do país como tradutor e intérprete como parece ser o sonho de todas as pessoas de sua geração. Aos poucos, Ricardo e Lily viajam pelo mundo sempre conectados entre si e ao ethos do tempo em que vivem. De longe, a parte mais forte e poderosa da história é justamente quando Vargas Llosa explora a relação dos dois. Lily é sexual, apaixonante, emotiva, hormonal e, absolutamente, imprevisível. Enquanto RIcardo é um romântico incurável, certinho, pragmático para viver esse amor e, é claro, absolutamente previsível. Talvez não haja entre esses dois personagens fascinantes e apaixonantes uma metáfora ou alegoria da política sul-americana. Afinal, Vargas Llosa usa seu enredo para deixar claro seu ponto de vista quando um tio do personagem principal diz que ele acertou em deixar o Peru e descreve como Lima decaiu devido a crise econômica que o país passa.

É curioso que Ricardo nunca questiona o papel dos países europeus que vive nesse cenário. Travessuras da Menina Má passa longe de ser um triller político, mas deixa claro qual a intenção e visão política do autor. Talvez seja esse panfletarismo o pior momento do livro porque não faz parte da trama ou não descreve a América do Sul de forma tão clara quanto, por exemplo, a Paris que Ricardo mora. Acaba sendo um desperdício da intenção do autor que queria explorar as quatro décadas de transformação de Paris e de Lima, mas acabou não conseguindo descrever bem sua própria terra natal, que vira um ambiente que era enfadonho e repleto de pobreza sem nada de bom. Como carioca que já visitou a cidade descreveria Lima como “irada” e acho difícil que tenha sido tão melancólica como no livro. Pelo menos, sempre teremos Ricardo e Lily.

Nota: 7

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