‘Pelé’ desconstrói e reconstrói o ídolo

Documentário não ufaniza e tampouco sataniza o rei do futebol

Imagino que ao pensar em Pelé, os produtores Ben Nicholas e David Tryhorn se viram em um desafio quase intransponível de descrever um personagem amplamente conhecido por multidões. Edson Arantes do Nascimento pode até ser menos conhecido que seu alter ego esportivo e midiático, mas será mesmo que são duas identidades?

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Pelé parte para responder esta pergunta e vai além. Seria o Brasil que viu Pelé algo separado do único atleta tricampeão do mundo? O documentário resolve abrir o questionamento de algo pelo qual o ídolo sempre foi criticado: a relação entre o jogador e a ditadura militar que governava o Brasil. Ora, o maior camisa dez do futebol de todos os tempos, não foi só usado, mas se deixou ser usado inúmeras vezes. Mais do que isso: jamais usou seu poder e influência para lutar contra aquele sistema. Será que poderia? Há quem diga que não.

Em seus minutos iniciais, Pelé mostra Edson se aproximando da cadeira de entrevistado com o auxílio de um andador. Há quem diga que o rei do futebol só não conduziu a tocha olímpica nos Jogos Olímpicos do Rio de 2016 porque não tinha saúde para correr com a chama. Desde então, aparições públicas do mito se tornaram raríssimas. Vê-lo como um idoso com dificuldades físicas é um estranhamento enorme. Afinal, o associamos com longevidade e vitalidade, mesmo após a aposentadoria nos gramados.

Pelé sempre pareceu imortal e Pelé desconstrói esta ideia. O ídolo tem pés de barro, afinal sempre foi um homem por mais fantástico que fosse. O documentário também associa o brasileiro e o Brasil que viveu como indissociáveis e tão imperfeitos quanto eram naquele tempo. E ainda são.

Durante toda sua trajetória, o rei foi um sonho do melhor Brasil possível. Mas muitas vezes o sonho nos faz esquecer da realidade, uma contradição que cada um resolve todos os dias quando acorda. Todo ser humano é ambíguo e contraditório, mas pouquíssimos podem ser deuses.

E só um esteve acima de todos eles. Sempre haverá só um Pelé, imutável, inalcançável e insuperável. E absolutamente imperfeito e cheio de defeitos. A porção que cabe a todos nós, brasileiros, de podermos dizer: que somos sim um pouquinho Pelé também. Gostemos ou não.

Nota: 10

Confira o trailer:

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