Embora Clive Barker seja um criador com as mais variadas facetas, tendo passado inclusive pelo teatro e pelas histórias em quadrinhos, é por meio do cinema e da literatura que seu nome ressoa com mais frequência. Sua fama mundial deve-se principalmente ao sucesso conquistado pelo clássico filme de horror Hellraiser (1987), dirigido e adaptado por ele a partir de um conto de sua própria autoria.

Essa experiência de dirigir para o cinema sua própria obra repetiu-se poucos anos depois, no filme Nightbreed (1990), adaptado a partir de seu romance Cabal. Nesse filme Barker também aposta em um conjunto de criaturas fantásticas, como em alguns dos contos dos volumes de Livros de sangue ou mesmo em Hellraiser. Em Nightbreed, como em outras narrativas, Barker embaralha a dualidade simplista entre Bem e Mal, colocando em questão quem são realmente os temíveis monstros: as criaturas fantásticas que habitam o subsolo para não serem descobertas e massacradas ou a humanidade que as teme e, por isso, quer destruí-las.

O protagonista Aaron Boone é um jovem atormentado por pesadelos sobre um lugar habitado por monstros, chamado Midian. Um psiquiatra o acusa de ser o autor de uma série de assassinatos que se assemelham às descrições de seus sonhos. Boone acaba descobrindo que não apenas Midian é real como se une ao grupo de criaturas que vive nos subterrâneos de um cemitério.

Trata-se da história de um conjunto de criaturas que se escondem da perseguição humana, provocada em grande medida pela ira religiosa da humanidade. Midian era o lugar que séculos antes tinham encontrado para se esconder e construir sua sociedade sem a intervenção humana. Debaixo da terra, encontrava-se um complexo sistema de túneis, escadas, pátios e dormitórios onde as criaturas tentavam construir pacificamente suas vidas.

Essas criaturas estão envolvidas pela escuridão. Para muitas delas, o sol é um inimigo tão perigoso como os seres humanos. Não são criaturas imortais, podendo ser feridas de diferentes formas, ainda que possam resistir muitos anos ou mesmo séculos.

Esse lugar também acolhe outros “monstros”, ou seja, basicamente assassinos em busca de algum tipo de redenção. “Midian é um lugar para monstros”, assim define um de seus moradores. Boone, o protagonista do filme, quer escapar de sofrimentos e de crimes que recém havia descoberto que supostamente cometera. Contudo, não era uma “besta” ou um “monstro”, afinal era inocente dos crimes que lhe foram atribuídos. Boone, portanto, não devia fazer parte daquele lugar nem poderia entrar. Ele insiste que é um monstro, mas, no final das contas, se não pertence ao lugar, poderia ser devorado.

Atacado e mordido, consegue escapar, para ir de encontro de outro monstro: aquele que realmente havia cometido os assassinatos de que era acusado, seu psiquiatra, que era um frio serial killer e havia forjado uma série de provas, inclusive a confissão de Boone, de que este seria o assassino de alguns dos crimes cometidos pelo médico. Embora escapando do ataque de um dos moradores de Midian, Boone não escapou dos tiros dos vivos. Depois de morto pelos tiros, Boone ressuscita e foge para Midian. Com a mordida que Boone havia recebido ele pode reviver, agora em Midian, unindo-se à raça das trevas.

Midian, vítima da perseguição contra Boone, acaba sendo destruída pelo medo e pela irracionalidade humana diante da diferença. Barker aproveita para apontar discussões filosóficas e políticas que extrapolam as cenas de suspense bem urdidas ou a narrativa envolvente com que mostra o massacre dos moradores de Midian. Como em outros trabalhos do escritor britânico, fica evidente certa falta de esperança no comportamento humano e sua crítica ao irracionalismo manifesto pelo conhecimento religioso.

O filme passou por cortes profundos em sua versão original. Em 2014 foi lançada uma “versão do diretor”, incluindo cenas que mostram profundas diferenças em relação à versão originalmente lançada. Inclusive, o final do livro é mantido na versão feita por Barker para o filme, apenas adaptando alguns detalhes, que mantém o tom sombrio que o escritor e diretor queria manter.

Essa é uma obra de crítica à barbárie que a humanidade promove cotidianamente, destruindo seus membros mais frágeis ou excluindo por meio da morte ou do exílio os seres indesejáveis. O ódio pela diferença, que levou à destruição de bruxas nos séculos passados, se assemelha à destruição promovida contra Midian. Essa é a crueldade que Barker quer combater em sua melhor obra cinematográfica.

 

Nota: 9

 

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