Final de ‘Sex Education’ foi agridoce como o fim da adolescência

Fim da série não satisfaz totalmente, mas a adolescência também não.

Com dois anos de hiato, a 4ª e última temporada de Sex Education chegou à Netflix no dia 21 de setembro. A série criada por Laurie Nunn conquistou uma legião de fãs por conta de seus personagens cativantes e a forma franca como tratou o sexo e outros assuntos pertinentes. Mas, como diz a música, “tudo que é bom sempre tem um final”*. E o adeus, por vezes, é amargo.

Atenção: Contém spoilers!

Admito que precisei digerir um pouco antes de escrever o balanço final. A verdade é que, inicialmente, a final season me deixou bastante insatisfeita. Principalmente pela saída e quase esquecimento de personagens queridos como Ola (Patricia Allison), Jakob (Mikael Persbrandt), Lily (Tanya Reynolds) e Olivia (Simone Ashley). Nunn chegou a comentar a saída dos personagens antes do fim da série em entrevista ao LADbible:

Essas histórias pareciam ter chegado a um final realmente adorável na terceira temporada, e senti que os personagens de Lily e Ola terminaram em um lugar realmente feliz. Especificamente, porque são um casal lésbico, eu queria que elas não tivessem mais dor ou trauma e ficassem juntas e felizes. Então, parecia o momento orgânico certo para concluir suas histórias.”

Entendo a opção, mas não concordo que mantê-las na história exigiria “mais dor ou trauma”. Até porque eram amigas de personagens que continuaram na trama, então seria normal que continuassem presentes. Além do mais, precisavam terminar o colégio. E pensando bem, foi dito que Jakob e Ola foram embora quando se descobriu que Joy não era filha dele (o que não soa como um final “adorável”). Mas nada foi dito sobre Lily ir junto. Então, de qualquer forma, parece que o casal não ficou junto.

Por falar em colégio, com o fechamento de Moordale no fim da 3ª temporada os alunos foram terminar seus estudos na Cavendish Sixth Form College. Exceto Maeve (Emma Mackey), que recebeu uma bolsa de estudos numa faculdade nos Estados Unidos. (O que é meio confuso, já que ela não terminou a escola secundária.) E boa parte da trama girou em torno de Otis (Asa Butterfield) tentando abrir uma clínica na nova escola e se provar um melhor terapeuta que sua rival O (Thaddea Graham). O que até foi divertido.

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Uma nova escola exige novos colegas, e Cavendish trouxe personagens ótimos. Especialmente o trio popular formado por Abbi (Anthony Lexa), Roman (Felix Mufti) e Aisha (Alexandra James). Foi quando Eric (Ncuti Gatwa) se aproximou deles que passou a repensar sua amizade com Otis e os dois se afastaram por um tempo. Foi doloroso assistir, mas importante de ser mostrado. Até achei curioso ver comentários de fãs chamando Eric de egoísta, chegando a usar argumentos um tanto homofóbicos. Sendo que, se for fazer uma análise de toda a série, é fácil ver que Otis é egoísta pra caramba. Não conseguindo nem enxergar a depressão pós-parto de Jean (Gillian Anderson). E a verdade é que uma pessoa do dito “padrãozinho” pode ter dificuldade de ver dilemas e dores que não lhe dizem respeito no outro, mesmo que seja seu melhor amigo. Mas nada foi melhor que ver esses laços de amizade reatados.

Foi doloroso também ver a turma dispersa. Com Maeve nos Estados Unidos e Adam (Connor Swindells) decidindo não continuar os estudos. E apesar de ter sido bom ver o personagem tendo um recomeço, inclusive na relação com os pais Michael (Alistair Petrie) e Maureen (Samantha Spiro), foi meio problemático. Tudo bem, existe toda uma questão de contexto cultural. Mas sendo Sex Education uma série aclamada por adolescentes e jovens adultos em todo o mundo, é problemático quando Maureen diz a Adam que “tudo bem ele não querer continuar os estudos” e que “estudar não é para todos”. Principalmente tendo países como o Brasil que ainda lutam com a evasão escolar, e que muitos políticos de extrema direita usam esses mesmos argumentos para não promover uma educação inclusiva. Para uma série tão progressista, foi uma mancada feia.

Voltando a Maeve, a personagem não teve o acolhimento que esperava do professor e escritor que admirava e ainda precisou lidar com a morte repentina da mãe. Uma sequência dura e também bonita. O discurso emocionante da personagem exteriorizou, sem romantizar, a realidade de milhares de pessoas. Que cresceram em um lar disfuncional e ainda assim encontram carinho. E como amizades sinceras são importantes para essas pessoas. E apesar de muitos terem reclamado que Maeve e Otis não ficaram juntos, não vejo como uma falha. Pelo contrário.

Assim como tantos outros casais de Sex Education, Maeve e Otis são apenas adolescentes com toda uma vida pela frente. Atualmente é muito raro alguém passar a vida ao lado do primeiro amor, e uma das coisas mais admiráveis na série foi trazer personagens realistas. Com personalidades que não são perfeitas nem aperfeiçoáveis. E eles tinham caminhos diferentes a seguir, ao menos por hora. Até porque não encerrar a adolescência juntos não significa que nunca mais fiquem juntos. Quem viu Veronica Mars sabe do que estou falando.

Por outro lado, um casal surpreendente que surgiu foi Aimee (Aimee Lou Wood) e Isaac (George Robinson). Porém, melhor do que o romance que surgiu entre os dois foi a aproximação e companheirismo. Se de início teve estranhamento, gerado principalmente pela projeção capacitista dela, logo se entenderam e se apoiaram. Quando Isaac ajudou Aimee a encontrar a forma de arte com que mais se identificava, ela encontrou o caminho para superar o trauma do abuso. E ele encontrou uma parceira de protesto quando o elevador da escola quebrou e ele não tinha como subir para fazer a prova.

A propósito, foi uma feliz coincidência a temporada ter estreado no mesmo dia em que se celebra o Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência. Pois o discurso de Isaac, reforçado por Aisha (às vezes excluída pelos próprios amigos sem que o percebessem) e apoiado pelos demais alunos foi realista e oportuno. Um tapa na cara da sociedade.

Outro plot oportuno foi a jornada espiritual de Eric. Embora um pouco fora do tom da série. Convenhamos, as epifanias do garoto não combinaram muito com o contexto de Sex Education. Porém, a mensagem foi válida e bonita. Apesar de não muito verossímil. Mas no fim rendeu uma bela homenagem ao clássico Footloose, que mesmo depois de quase 40 anos continua atual.

Outros personagens que tiveram suas próprias jornadas foram Jackson (Kedar Williams-Stirling), Viv (Chinenye Ezeudu) e Cal (Dua Saleh). Só que dos três o que teve o arco melhor montado foi Cal, mostrando com honestidade o processo de transição de gênero. Diferente do que muitos conservadores pregam, não é fácil e ninguém simplesmente escolhe isso. E a depressão e risco de suicídio são reais quando a pessoa não tem apoio da família. Pena que nem todos os espectadores tenham sensibilidade para entender a mensagem.

Quanto a Jackson e Viv, é uma pena que tenham tido bons plots mal aproveitados. Ele lidou com as suspeitas de um câncer no testículo que o fez querer investigar suas origens. Enquanto ela conheceu um garoto perfeito que se mostrou tóxico. O problema foi a sensação de que esses arcos não receberam a atenção que mereciam. São assuntos importantes, abordados por personagens queridos, mas pareceram inseridos apenas para ocupar o tempo de tela.

No que diz respeito aos adultos, acredito que a jornada de Jean seja a que abranja mais pessoas. A depressão pós-parto somada ao retorno ao trabalho e um filho adolescente ingrato são preocupações para mulheres em qualquer lugar do mundo. E ainda teve que lidar com as instabilidades da irmã Joanna (Lisa McGrillis), cuja apenas a reaproximação com Jean a fez perceber que precisava tratar o trauma pelo abuso sofrido. É bom que uma série adolescente aborde também temas adultos com seriedade.

Enfim, é certo dizer que Sex Education cometeu erros em sua final season. Talvez o receio de se tornar repetitiva fez a série perder um pouco da sua essência, por vezes parecendo que nem era a mesma série. Porém, o legado de uma trama sem medo de tabus, trazidos a tona por personagens que não são vilões nem mocinhos, apenas humanos, ficará para sempre. Talvez seu maior mérito seja mostrar que não devemos nos envergonhar de nossa humanidade, nem das complexidades e imperfeições que vem com ela. Sentiremos saudades.

Nota: 7

*Verso da música All Good Things, de Nelly Furtado e Di Ferrero

Confira o trailer:

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