Trabalho e trabalhadores: representações da Coreia do Sul

Como se retrata ambos em 'Hometown Cha-Cha-Cha' e 'Não Quero Fazer Nada'

Embora os romances possivelmente sejam os temas mais marcantes nas produções da Coreia do Sul que têm feito sucesso no streaming do Brasil, o tema do trabalho aparece como central em diversas narrativas. Nessas obras, diferentes personagens enfrentam situações das mais diversas, que vão do esgotamento físico e mental até o assédio e mesmo perseguição.

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Na série Hometown Cha-Cha-Cha, a protagonista trabalha como dentista em uma clínica. No primeiro episódio, ela indica um tratamento, que seria o mais adequado, para uma de suas pacientes. Questionada por sua chefe, que exigia a realização de um tratamento que seria mais caro e desnecessário, a protagonista se demite da clínica.

Em Não quero fazer nada, a protagonista se confronta com uma situação parecida, mas ainda mais grave. Em um primeiro momento, parece ser apenas um caso de bullying, feito pelos demais colegas de trabalho, desrespeitando-a e mesmo roubando descaradamente seu trabalho em busca de benesses na empresa. Quando a protagonista explode, vem à tona, além do assédio moral sofria frequentemente, também o assédio sexual por parte de seu chefe.

Nas duas séries, as protagonistas acabam deixando o ambiente urbano e cosmopolita de Seul, centro comercial e industrial do país e uma das mais importantes cidades da Ásia, para morar em pequenas comunidades rurais. Outras séries, como Amor rural, também exploram essas representações de regiões menos conturbadas. Nos casos de Hometown Cha-Cha-Cha e de Não quero fazer nada, fica em evidência que as protagonistas das duas séries sofreram um profundo esgotamento relacionado ao trabalho e por pouco não chegaram a ter um colapso.

Contudo, talvez a série feita na Coreia que mais explore a questão do trabalho seja Black dog. Não se trata de uma protagonista que quase colapsa e tenta encontrar um novo caminho para sua vida, mas de uma jovem professora que ainda precisa começar sua vida de trabalhadora. E a figura do “professor temporário”, que na fala de muitos personagens da série parece um xingamento, é explorada como forma de mostrar a exploração, a precarização, as incertezas quanto ao futuro e situação completamente frágil e de desamparo não apenas de professores, mas de todos os trabalhadores que têm poucos ou mesmo nenhum direito. Em determinada cena, chega-se a dizer que os “temporários” não são exatamente “professores”.

Diferente de muitas séries passadas em escolas, produzidas nos Estados Unidos ou em outros países, que geralmente fazem a opção de amenizar por meio do tom cômico a situação problemática vivida por professores e estudantes – e que nem por isso são ruins, como a bem-humorada, mas bastante crítica Teachers, disponível no streaming da Paramount, ou Control Z, da Netflix,  Black dog carrega nos tons ao descrever as dificuldades enfrentadas por todos os professores da escola, ainda que destaque especialmente os “novos”.

Essas reflexões sobre o trabalho parecem ser uma reflexão que permeia o conjunto da sociedade, inclusive se for associada a outras obras de sucesso vindas da Coreia do Sul, como o filme Parasita e a série Round 6. O desenvolvimento econômico alcançado pelo país parece ter deixado, como em qualquer economia capitalista, um rastro de pobreza e avanço na exploração do trabalho e no ataque a direitos, o que vai se expressando de forma cada vez mais evidente até mesmo em obras que deveriam ser apenas produções leves para entreter o público.

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