O Escândalo trata o assédio sexual nas redações pelo ponto de vista que interessa: o feminino.
O Escândalo trata o assédio sexual nas redações pelo ponto de vista que interessa: o feminino.

‘O Escândalo’ traz assédio do ponto de vista que interessa

Para algumas pessoas, O Escândalo é um filme desnecessário e injusto. Desnecessário porque não importaria falar de assédio sexual nas redações. Injusto porque não conta o ponto de vista dos homens, apenas das mulheres. Discordo delas e vou explicar o porquê.

Conto uma história, 100% real, que cobri anos atrás como repórter. Um jornal de um lugar remoto no Brasil contratou uma estagiária, que era tão fisicamente bonita que chamou a atenção de toda redação. Um editor achou que seria uma boa ideia escrever um pequeno perfil descrevendo a moça, seu nome, como ela havia encantado a redação e publicar no jornal como uma crônica. O texto caiu na internet e a redação teve que pedir desculpas. Ninguém foi demitido e jamais perguntaram para a moça como aquilo lhe atingiu.

O assédio sexual em uma redação existe. Jornalistas, especialmente os que trabalham em TV, são obrigados a ter um certo nível de elegância e aparência. Isso se você for homens. Com mulheres, a tendência é o dobro. Âncoras ou repórteres precisam ser lindas, magras e fisicamente perfeitas. Aos homens é permitido envelhecer. Não precisa ser gênio para entender que tipo de mecânica regula isso.

E é por isso que o ponto de vista que interessa nesse debate é um: o das mulheres.

O Escândalo ocorre nesse ambiente, baseado em fatos reais que ocorreram. Com a direção de Jay Roach (curiosa a escolha de um homem para um enredo como este), a produção fala de um gigante do telejornalismo e CEO da Fox News, Roger Ailes (John Lithgow), que tem sua autoridade e carreira questionada após demitir uma âncora (Nicole Kidman) é processado por assédio sexual e segue uma enxurrada de denúncias semelhantes.

O Escândalo trata o assédio sexual nas redações pelo ponto de vista que interessa: o feminino.
O Escândalo trata o assédio sexual nas redações pelo ponto de vista que interessa: o feminino.

Nesse cenário, O Escândalo tem acertos valiosos. A direção de Roach é discreta o suficiente para valorizar as atuações femininas, em especial de Nicole e Charlize Theron (Megin Kelly) com Margot Robbie interpretando uma ambiciosa foca (apelido para jornalistas iniciantes), perdida entre a tensão do noticiário e destes conflitos internos.

Uma realidade que talvez surpreenda quem nunca trabalhou numa redação se explica em um ditado antigo de um editor com quem trabalhei: “o melhor jornal é aquele que vai para o lixo”. Milton Coelho da Graça, autor da frase, queria dizer que a apuração nos obriga a desistir de notícias espetaculares, fantásticas e que não conseguimos garantir a veracidade mesmo que sejam reais. É um processo doloso, mas necessário. Da mesma forma, esconder as coisas que deveriam ser ditas em uma publicação pode se justificar com vários critérios técnicos. Apuração insuficiente, desinteresse do público etc. O Escândalo deixa claro que questões de assédio são muito simples de não virem a tona. Basta que as mulheres lutem sozinhas ao invés de unidas.

A direção aposta em Charlize, talvez a grande estrela da produção, como uma espécie de apresentadora-para-a-quarta-tela. Roach faz do filme uma espécie de fake documentary. A linguagem é a de câmera na mão, adequada para a ficcionalização de fatos reais. Em dado momento, o filme dá voz às vítimas reais do episódio, misturando realidade e fato. É um artifício perigoso, mas o propósito do filme justifica.

Nicole vive uma situação curiosa em sua carreira, que bate com o seu momento de vida. Hollywood e a imprensa não são gentis com estrelas que envelhecem. Na primeira metade do filme, Nicole parece desconfortável no papel, oscilando entre mostrar força e vulnerabilidade, mas se solta na sequência. Já Margot se sai bem como uma jovem ambiciosa e inocente em um matadouro.

Nota: 8

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