1984 - o livro que ainda não acabou

1984 – o livro que ainda não acabou

Hoje, 28 de agosto, o premier Boris Johnson solicitou à rainha a suspensão do Parlamento da Inglaterra. Johnson é uma espécie de “Bolsonaro Inglês”, mais um dos líderes que ascende na onda reacionária que assola o mundo e ameaça clima, economia e minorias. Não é coincidência que tenha sido este dia que escolhemos para resenhar 1984, livro de George Orwell, e totalmente aderente ao Desafio Literário de Agosto, que fala de futuros distópicos.

Afinal de contas, 1984 é descrito na maioria das sinopses de editoras ou sites especializados exatamente como um “romance distópico”. Ambientado na Pista de Pouso Número 1, na verdade a Grã-Bretanha com outro nome dentro do “superestado da Oceania”, retrata um futuro em que o Estado tudo vê e domina, sob o punho cerrado de um líder autoritário: o Grande Irmão. Neste universo, o mundo vive em constante guerra e a região da história é regida pelo Partido Interno, em um governo que persegue qualquer individualismo ou liberdade de expressão através da assustadora Polícia do Pensamento.

Acompanhamos então o desimportante Winston Smith, que Trabalha para o Ministério da Verdade, responsável pela propaganda e pelo revisionismo histórico. Soava absurdo demais quando li o livro há algumas décadas, mas tinha bastante a ver com a época em que foi escrito, em 1949. Soa mais absurdo pensar que vivemos em um mundo onde governos como o brasileiro se sentem a vontade para praticar o mesmo revisionismo ou negaciosismo. Lembre-se: o pensamento que nega a existência do holocausto é da mesma raiz que nega a tortura na ditadura militar ou o genocídio de escravos e índios pelo mundo.

Smith trabalha reescrevendo artigos de jornais do passado (sim, fake news) para que o registro histórico sempre apoie a ideologia do seu partido. Documentos que não foram editados ou revisados são destruídos, o que extingue provas de que o governo minta. Curiosamente ou não, há dois anos o governo Michel Temer decretou sigilo sobre as visitas do Palácio do Planalto e neste dia 28 o governo Jair Bolsonaro colocou mais uma malha sobre estes dados. Orwell talvez não tivesse a intenção de fazer um livro tão eterno, mas mais do que presente 1984 é uma fábula terrível e necessária. Seu enredo explica como o autoritarismo não é de esquerda ou direita, mas uma ideologia própria que existe apenas para se sustentar.

O livro consolidou o adjetivo orwelliano, que delimita o que seria o “engano oficial”, a vigilância secreta e a manipulação da história por um Estado totalitário ou autoritário. Da mesma forma, termos como “Grande Irmão”, “crime de pensamento”, “novilíngua” e 2 + 2 = 5, entraram em uso comum desde sua publicação em 1949. Orwell redigiu o livro como uma crítica ao comunismo e ao fascismo, mas 1984 foi erroneamente relacionado a uma crítica ao socialismo ou ao Partido Trabalhista Inglês (do qual o artista era um entusiasta). A respeito disso, antes de morrer em  junho de 1949 de tuberculose, Orwell escreveu o seguinte a um amigo:

Meu romance recente NÃO foi concebido como um ataque ao socialismo ou ao Partido Trabalhista Britânico (do qual sou um entusiasta), mas como uma mostra das perversões… que já foram parcialmente realizadas pelo comunismo e fascismo. O cenário do livro é definido na Grã-Bretanha a fim de enfatizar que as raças que falam inglês não são intrinsecamente melhores do que nenhuma outra e que o totalitarismo, se não for combatido, pode triunfar em qualquer lugar.

George Orwell

Cartas à parte, 1984 é a melhor resposta do autor. O Grande Irmão vive à espreita, seja na ficção ou na realidade, e o preço que pagamos por nossa liberdade é uma vigília eterna a este tipo de pensamento.

Nota: 10

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