Redação do POPOCA aprova a produção

Lost Girl: A Rainha das Sombras e as contradições da sociedade

Série enfrenta questões filosóficas e até mesmo políticas de forma progressista.

Recentemente, estreou no Amazon Prime Vídeo a série Lost Girl (também conhecida no Brasil como “A Rainha das Sombras”). Exibida no Brasil pelo canal AXN, tendo sua última temporada em 2015, a série está centrada na história de Bo Dennis, que, como sabemos desde o começo do episódio piloto, é uma figura sobrenatural conhecida como súcubo. Bo logo é apresentada a um mundo de figuras sobrenaturais, conhecidas como Fae, e a partir disso inicia a busca por suas origens, a começar por investigar a identidade de sua mãe biológica. Contudo, ainda que equilibre um tom entre o policial e o sobrenatural, contando a história de forma leve e até mesmo bem-humorada, a série enfrenta questões filosóficas e até mesmo políticas de forma progressista.

++ Leia também: Patrick Jane e The Mentalist

Um tema fundamental de Lost Girl passa justamente pela expressão mais evidente da própria constituição fisiológica da protagonista, ou seja, um ser sobrenatural que se alimenta da energia vital de seres humanos, obtida por meio do beijo ou da relação sexual. No início da série, somos apresentados a uma Bo que, desconhecendo sua própria natureza, é incapaz de controlar seus poderes e acaba, em suas próprias palavras, deixando uma pilha de amantes mortos. Com isso, viveu sua vida fugindo, de tal forma a evitar matar pessoas ou mesmo colocar em risco amigos e familiares. Essa vida solitária muda ao conhecer Kenzi, que se torna sua leal e melhor amiga, que não rejeita o mundo sobrenatural em que se vê enredada, e que garante os melhores momentos de humor da série.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Bo vive na tensão entre escolher entre os dois clãs dos Fae, os da Luz e os dos Trevas. Apesar dessa denominação, algo que fica claro de imediato é que não se trata de uma divisão entre Bem e Mal, afinal nos dois lados tanto há seres bondosos querendo apenas viver suas vidas seguras, como, também, seres corruptos e de caráter duvidoso. As duas facções são dirigidas por seres que possuem títulos específicos, o Ash na Luz e a Morrigan nas Trevas, que, dentro dos interesses políticos e econômicos de cada uma das facções, tenta equilibrar as tensões reinantes em todos os lados. Bo, em meio a isso, se alia a cada situação específica a setores dos ambos os lados, ajudando a mostrar tanto as qualidades dos Fae com quem interage, independente do clã, como a corrupção reinante nas instituições estruturadas.

Um fantasma que logo percorre tudo é justamente uma guerra, acontecida séculos antes, e que colocou ambos os clãs em uma sangrenta batalha, e que parece ser um iminente fato a ocorrer novamente a qualquer momento. Em meio a isso, Bo, depois de ter sido testada e conseguir sobreviver às provas a que foi obrigada, não escolhe qualquer um dos lados e afirma que “escolhe os humanos”. Os desdobramentos da série vão mostrar um caminho particular de Bo, inclusive em relação a uma eventual escolha de lado. Contudo, o que Bo, a cada passo, vai sempre demonstrando é o fato de que nesse embate secular não existe lado bom e ruim por natureza. Luz e Trevas formam, ambas, estruturas corruptas comandadas por camarilhas corruptas centradas em manter seu próprio poder.

Esse embate fica evidente no final da primeira temporada, quando é revelada a identidade da mãe de Bo, seu papel na história dos Fae e sua disposição de destruir todas as estruturas instituídas, propondo uma aliança à filha. Bo, a rebelde que não havia escolhido um lado, afirma concordar com a necessidade de destruir aquelas estruturas, mas que isso não seria feito por meios terroristas ou de intimidação, como propõe sua mãe. Em certa medida, fica mais claramente delineado o programa político de Lost girl, que passa pela necessidade da destruição das velhas estruturas, mas ganhando politicamente os Fae para essa perspectiva de transformação, e não pela destruição pura e simples.

Esse é o espírito que vai guiar a série ao longo de suas cinco temporadas, com Bo cada vez mais pressionada pelas dificuldades surgidas e, inclusive, pelo crescente perigo das criaturas contra as quais luta. O embate com o pai, na temporada final, é justamente o ponto alto dessa disputa, que vem a ser um divisor de águas na história dos Fae.

Embora pouco badalada em sua época de exibição original, a série mostra um conjunto de reflexões filosóficas e políticas fundamentais e inclusive conexões até mesmo com a teoria da guerra. Ao mesmo tempo, a série distrai e diverte e nos permite pensar que a vida está cheia de encruzilhadas e que as escolhas que fazemos não são naturalmente boas ou más, mas expressão das necessidades que temos de enfrentar a cada momento. Os percalços do mundo Fae enfrentados por Bo não são outra coisa que não a metáfora dos medos e dificuldades que vivenciamos em nosso cotidiano.

Arquivos

Leia Mais
filmes mais vistos na netflix?
‘The Old Guard 2’ terá diretora que trabalhou em ‘Star Wars’