O filme O Segredo da Cabana apresenta de forma bastante didática um conjunto de arquétipos característicos de um tipo de filmes de terror, os slashers. Nesses filmes um misterioso assassino persegue e mata um conjunto de pessoas, normalmente jovens, podendo ser uma força sobrenatural ou não. Os crimes normalmente ocorrem em locais afastados – da família, de suas cidades etc. Essa cinematografia dominou por décadas o mercado de filmes de horror, se exaurindo em intermináveis e repetitivas franquias, como Halloween, Sexta-feira 13 e Massacre da serra elétrica, entre outras.
Em O Segredo da Cabana um grupo de jovens vai passar alguns dias em uma cabana reclusa, mas é liberada algum tipo de força que vai provocando a morte de todos. Em paralelo, mostra-se que esses jovens estão em uma espécie de reality show, sendo manipulados no caminho da morte por uma espécie de sociedade que controla o programa. O objetivo de tudo isso é fazer uma espécie de sacrifício cerimonial, que envolve a morte desses jovens.
O filme tem cinco personagens que representam os arquétipos comuns a esse gênero cinematográfico: a Prostituta, o Tolo, o Atleta, o Erudito e a Virgem. Esses arquétipos estruturam a narrativa, mostrando características dos personagens, que orientam suas escolhas e ações. Os arquétipos são assim definidos em certo momento do filme: “Deve haver pelo menos cinco. A Prostituta. Ela é corrompida. Ela morre primeiro. O Atleta. O Erudito. O Tonto. Todos sofrem e morrem nas mãos do horror que eles escolheram, deixando a última para o destino decidir se vive ou morre. A Virgem”.
Embora talvez os termos utilizados para definir os arquétipos sejam um pouco exagerados, afinal uma das garotas não precisa ser exatamente uma prostituta nem a virgem necessariamente uma garota que nunca manteve relações sexuais, a ideia do filme passa justamente por mostrar caricaturas exageradas que encontram referência nas produções slashers. Em Sexta-feira (1980), por exemplo, a protagonista Alice é apresentada como uma garota quase frígida, enquanto Marcie é morta pouco depois de fazer sexo. Em Halloween (1978), uma das cenas clássica tem a protagonista Laurie ao telefone, ouvindo gritos de sua amiga Lynda do outro lado da linha sendo morta, supondo que na realidade seriam gemidos provocados por uma relação sexual.
Entre os arquétipos, que expressam os principais elementos de numerosos personagens dos filmes de horror, possivelmente o mais importante é do Virgem, que determina as características da final girl. Essa personagem possui qualidades morais que lhe garantem a sobrevivência, ou seja, a morte dos demais personagens é uma punição por conta de seu comportamento, como uso de drogas ou um certo hedonismo sexual. O contraponto é justamente dado pela garota que conseguiu se manter afastada do comportamento reprovado socialmente dos amigos e, por isso, merece se manter viva.
Segundo a hipótese apresentada em O Segredo da Cabana, a Virgem necessariamente precisa ser a última a sobreviver. Um dos produtores do programa afirma que “a morte da virgem é opcional, contanto que ela seja a última. O principal é ela sofrer”. Ela precisa sofrer, assistindo à morte de seus amigos, vivendo uma história em que consegue fugir da maior parte das situações de perigo a que é submetida. Alice e Laurie, em clássicos do cinema slashers, inclusive sofreram suas provações em mais de um filme.
No que se refere ao comportamento sexual, a Virgem pode ser considerada como o oposto da Prostituta. Uma é tímida, mantém uma relação de afastamento em relação ao sexo e quase sempre esconde seu corpo. Quanto à Prostituta, expressa uma sexualidade exacerbada, exibindo o corpo e se envolvendo com sexo. Nessa dicotomia simplória, o sexo é punido e o recato é o motivo que pode levar à sobrevivência. Por outro lado, ao vivenciar a experiência de ver seus amigos serem punidos, a final girl carrega para si a mensagem de que não deve cometer os mesmos erros. Nesses filmes, o sexo casual, apresentado como uma perigosa prática de juventude, leva à condenação das pessoas que o praticam.
Pela regra apresentada em O Segredo da Cabana, a Prostituta deve ser a primeira (ou uma das primeiras) a morrer, criando na narrativa um contraponto com a final girl. Contudo, a morte da Prostituta tem como particularidade o fato de estar diretamente relacionada ao ato sexual, podendo ocorrer inclusive durante o coito. Em O Segredo da Cabana, Jules e Curt são atacados por um grupo de zumbis, enquanto faziam sexo. Jules é morta cruelmente, mas Curt consegue escapar. Nos filmes clássicos, Lynda e Marcie são mortas pouco depois do sexo.
Os demais arquétipos servem para complementar a narrativa. O Atleta, em uma tentativa de coragem, se expõe a um perigo extremo e acaba provocando a própria morte. O Idiota é uma pessoa considerada desequilibrada por enxergar coisas que passam despercebidas pelos demais. O Erudito mantém a calma e é racional, em todas as situações. Essa calma, contudo, coloca todos em risco, afinal seu discurso racional faz com que as pessoas sejam convencidas de que não há nada perigoso ou mesmo sobrenatural acontecendo.
Contudo, embora apresente todos esses arquétipos, a ideia de O Segredo da Cabana é justamente subverter essa lógica. No filme o Idiota consegue escapar da morte. O Atleta mostra-se uma pessoa inteligente, que entende de temas acadêmicos complexos, não se resumindo a uma montanha de músculos. E o Erudito, por fim, se mostra alguém não lá muito inteligente. Além disso, a personagem que representa Virgem é uma jovem que manteve um caso com um professor, enquanto a Prostituta mantém um relacionamento firma com o namorado. No final, quando lhe é explicado seu papel na trama, a própria Virgem ironiza sua condição de virgindade.
O filme tem como objetivo mostrar como estavam completamente exauridos os esquemas que vinham sendo utilizados nos roteiros dos slashers nas décadas anteriores, além de desnudar também o conservadorismo que permeia essas histórias. Esses filmes têm uma clara mensagem moralizante, contra o consumo de drogas e o sexo, além de indicar que os jovens não deveriam se afastar de suas famílias. Alguns anos antes, o primeiro filme da franquia Pânico fez algo parecido, ainda que seu objetivo fosse muito mais construir uma metalinguagem, fazendo com que a narrativa refletisse sobre ela mesma e seus problemas.
No caso de O Segredo da Cabana não se trata de uma obra-prima, mas de um filme com algumas qualidades cinematográficas e que, principalmente, é um marco sobre a necessidade que teve o gênero horror de se renovar. Os roteiros, em sua maioria, estavam se exaurindo na repetição e falta de criatividade, e ter um filme que ridicularizava isso certamente foi uma forma de fazer com que se parasse para pensar que era preciso construir novos rumos. O recado foi recebido e, nos últimos anos, algumas obras-primas têm dado um novo fôlego ao horror, não apenas superando o mecanicismo dos arquétipos, mas apresentado roteiros mais bem elaborados.
Nota: 8