‘Arquivo X’: a verdade está aqui

Mesmo tendo passados mais de vinte de anos desde seu episódio piloto, a série Arquivo X ainda mantém toda a sua vitalidade. Isso não se deve apenas à tentativa de retomada da série, poucos anos atrás, quando procurou problematizar as mais recentes questões sobre os avanços políticos e tecnológicos do controle e da coerção na sociedade. Essa vitalidade se deve também à defesa da incansável da busca pela verdade.

Arquivo X foi exibida na década de 1990, ou seja, no auge das teorizações sobre o “fim da história” e da apologia aos discursos que relativizavam a própria realidade, ou seja, que negavam a concretude de processos e contradições sociais. O fim dos Estados do chamado Leste Europeu, onde o capitalismo havia sido expropriado sem que houvesse a transição para sociedades socialistas, e o avanço de um ideário conservador (na época chamado de “neoliberal”), pareciam mostrar que de fato não havia possibilidade de profundas mudanças na sociedade. Como consequência, foram elaboradas teorias e explicações fantasiosas para interpretar a realidade, marcadas pelo idealismo ou mesmo pelo misticismo, para isso muitas vezes negando a própria objetividade da realidade.

Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson), de pontos de vista diferentes, lutavam contra essa onda reacionária que tentava varrer as esperanças de transformação social na década de 1990. Mulder, a despeito de suas teorias pouco convencionais, era um combatente por encontrar a verdade, comumente ironizando aqueles que procuravam as respostas na aparência e naquilo que era mais simples e fácil de enxergar. Mulder sempre procurou demonstrar a amplitude e complexidade dos problemas, explorando as contradições em toda a sua radicalidade.

Scully, ainda que partindo de outra perspectiva teórica, não era antagônica ao seu parceiro. Em sua busca pela verdade, utilizava-se do rigor do método científico e da racionalidade. Em sua igualmente incansável busca por encontrar a verdade, procurava a complexidade e a profundidade dos problemas com os quais se defrontava, sempre insatisfeita com aquilo que parecia simples e que se limitava à mera aparência.

O ímpeto e criatividade de Mulder e o rigor metódico e racional de Scully moveram todas as temporadas da série, dialeticamente nadando contra as perspectivas idealistas e simplistas que predominava na década de 1990. Essas perspectivas hegemônicas procuravam manter a verdade oculta ou parcialmente visível, como forma de esconder as contradições de uma sociedade dividida em classes e as ações de repressão e coerção do Estado. O pensamento dominante intencionalmente propagava explicações fantasiosas, como forma de evitar crises e rebeliões.

Na narrativa da série esse processo é mostrado de forma quase didática, afinal, ao longo das temporadas, passa-se da questão sobre a possível presença de alienígenas no planeta para a clareza da existência de uma conspiração humana bastante concreta que visava a manutenção do seu poder. Os poderosos usam a suposta invasão alienígena como forma de distrair a opinião pública, assim escondendo os reais jogos de poder e interesses de governos e empresários.

Essa encruzilhada de Arquivo X não se diferencia muito daquela enfrentada na atualidade, onde políticos querem se fazer passar por cientistas e até mesmo parte dos cientistas aceitam o papel de divulgar explicações fantasiosas sobre a realidade. Parece que mais uma vez a humanidade está diante de um combate contra as explicações mística e em busca da verdade, não por mero exercício intelectual, mas por uma questão de vida ou morte. Como fizeram Mulder e Scully.

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