Em fevereiro de 1977, o diretor italiano Dario Argento lançou Suspiria, um de seus melhores filmes. A produção narra a história de Suzy Bannion, uma dançarina estadunidense que vai para a Alemanha Ocidental estudar em uma prestigiada escola de balé. Ao longo de sua estadia, ocorrem estranhos fatos, como a morte ou o desaparecimento de pessoas ligadas à escola. Ela acaba por tomar conhecimento de que a escola é dirigida por um grupo de bruxas, liderado por uma lendária feiticeira, de origem grega, chamada Helena Markos.
Disputa
Contudo, a despeito do fantástico como tema central ou do fato de normalmente se destacar o belo uso das cores na composição estética da obra, o filme apresenta outros importantes temas, como opressão e emancipação das mulheres. Pode-se pensá-lo como uma crítica ao estabelecimento de estruturas de dominação da juventude, ainda que promovida por um grupo de mulheres. O filme parece querer mostrar a disputa entre um novo que quer florescer e um velho que se agarra a velhas regras. Essa dominação, como mostra Argento, não precisa se resumir a homens diretamente oprimindo mulheres, mas pode ocorrer também quando uma parcela de mulheres reproduz sobre as mais jovens a opressão que sofrem na sociedade.
Um elemento que salta aos olhos no filme é a pouca presença de personagens interpretados por homens. Um dos poucos é o pianista cego, morto por levantar suspeitas sobres os misteriosos acontecimentos. Outro personagem masculino é um dos bailarinos, um jovem que possui uma relação de subordinação em relação ao grupo de bruxas.
Diante da sutil forma de opressão, exercida pelas próprias mulheres que são ao mesmo tempo vítimas e parte legitimadora do sistema patriarcal, a protagonista cumpre o papel de lutar para derrubar essa estrutura de dominação. Embora inicialmente se mostre uma jovem frágil e assustada, Bannion cresce ao longo do filme, até o momento em que fica frente a frente com Markos. Nesse aspecto há na história a sugestão (talvez) equivocada de que seria possível a um indivíduo sozinho desestruturar a ordem patriarcal, em sua luta contra a dominação imposta às jovens mulheres, deixando de lado uma perspectiva coletiva e de classe.
Punição
A representação da opressão patriarcal contra as mulheres se concretizava no controle sobre a juventude. Não caberia aos jovens se assumir como protagonistas de sua trajetória e autônomos em suas escolhas, mas seguir as regras estabelecidas pelos mais velhos e obedecer às suas ordens. No caso do filme, as jovens bailarinas deveriam se adaptar às regras fechadas e imutáveis do grupo que dominava a escola. Caso essas jovens colocassem em risco ou desafiassem o grupo de bruxas, deveriam ser punidas com a morte.
O elogio da rebelião juvenil expresso por Argento contrasta bastante com o cinema de horror que se vinha produzindo na época nos Estados Unidos. Nos filmes conhecidos como slashers, analisados em outro texto aqui no POPOCA, que colocam em cena uma sucessão de violentos assassinatos, levados a cabo por uma figura muitas vezes mascarada, que pode ter ou não poderes sobrenaturais, mostra-se a punição ao comportamento desregrado dos jovens, em especial no que se refere à atividade sexual e ao consumo de drogas. Nesses filmes produzidos nos Estados Unidos, normalmente são as personagens mulheres mais tímidas e sem atividade sexual que sobrevivem e até mesmo conseguem derrotar o perseguidor.
Suspiria contou com duas sequências, também dirigidas por Argento, mas que não fazem jus à qualidade da primeira parte. Nos três filmes se desenvolve a mitologia das Três Mães: Mater Suspiriorum (a Mãe dos Suspiros), Mater Tenebrarum (a Mãe das Trevas) e Mater Lacrimarum (a Mãe das Lágrimas). No segundo filme, com o título Inferno (1980), a preocupação com a opressão feminina perde espaço para uma narrativa confusa e desinteressante. No terceiro filme, O Retorno da Maldição (2007), lançado trinta anos depois do primeiro, é justamente uma jovem bastante comportada quem derrota o grupo de bruxas, que expressam uma sexualidade muito mais desinibida.
O filme é um elogio à subversão das mulheres, ao mostrar jovens mulheres lutando para romper as amarras de velhas regras sociais que visam controlá-las. Com sua decoração e jogos de cores, além de mostrar-se como um dos mais belos exercícios estéticos realizados no cinema de horror, Suspiria aponta para caminhos de reflexões sociais e políticas diferentes daqueles do cinema estadunidense produzidos à época.
Nota: 10
Assista ao trailer de Suspiria: