No começo deste ano, ao longo das principais premiações do cinema estadunidense, um dos temas mais comentados foi a possibilidade de premiação do filme Pantera Negra no Oscar. Essa polêmica se deve ao fato de ter se construindo certo senso comum de que filmes de super-heróis (e, ainda mais, baseado em quadrinhos) não possuem qualidade e, inclusive, são feitos exclusivamente para o público infanto-juvenil. Esse tipo de preconceito acaba se mostrando ainda mais equivocado com a ideia de que apenas programas infantis são produzidos pela Disney.
O fato é que, quando nos referimos ao filme, estamos falando de uma obra madura que vai muito além do mero entretenimento. Claro que Pantera Negra não deixa de ser uma agradável diversão, mas não se limita a isso, cumprindo quaisquer critérios básicos exigidos em premiações. O filme possui um excelente roteiro, uma direção competente e grande qualidade nos demais aspectos técnicos. Além disso, o elenco mostra um trabalho conjunto entrosado e de extrema qualidade.
Além das qualidades técnicas e artísticas, talvez o principal mérito do filme seja colocar em evidência uma profunda reflexão sobre a questão do negro, em dois âmbitos. Um deles, mais óbvio, mostrando a marginalização dessas populações no capitalismo e o papel destruidor do imperialismo. Outro aspecto, ao trazer uma homenagem a alguns belíssimos aspectos culturais da África, como a música e a importância da ancestralidade. Com o filme, ficamos pensando o que poderia ter sido a África se o colonizador europeu não tivesse invadido o continente e roubado suas riquezas.
Paradoxo
Claro que essas qualidades se misturam em uma grande produção que tem como objetivo o lucro. Com isso, o discurso político acaba ficando um tanto quanto enviesado, defendendo um tipo de saída intermediária entre a continuidade e a transformação profunda. O tema da questão negra é apresentado em sua forma assistencial e não na defesa da auto-organização dos setores explorados da sociedade. Além disso, internamente em Wakanda, não conhecemos as classes nem temos qualquer contato com a população, desconhecendo a visão que têm sobre o regime monárquico.
O fato de expressar o máximo possível de uma posição política em um produto de uma grande empresa capitalista não desqualifica em nada o filme, que consegue equilibrar uma excelente obra de entretenimento com um conjunto de reflexões políticas e sociais. Claro que essas poderiam ser exploradas de forma mais profunda, mas o que apresenta permite reflexões poderosas sobre uma série de questões.
No final das contas, no que se refere à premiação propriamente dita, a questão real talvez não seja se Pantera Negra merece o Oscar, mas se o Oscar merece um filme como Pantera Negra.