O filme Bela vingança (no título original, Promising Young Woman) foi um dos mais elogiados dos últimos anos, tendo recebido o Oscar de melhor roteiro em 2021. Protagonizado por Carey Mulligan, o filme está centrado na vingança de uma jovem mulher (Cassie) contra as pessoas que teriam levado sua melhor amiga (Nina) ao suicídio, depois de ter sido estuprada e ver o responsável pelo crime sair impune. Essa parece ser a história de tantos outros filmes – como aquelas da franquia conhecida no Brasil como Doce vingança. Contudo, Bela vingança se distancia dessa possível comparação em muitos sentidos.
No começo do filme, tomamos contato com Cassie, quando ela aplica “lições” em homens que se aproveitam de mulheres vulneráveis. Cassie vai a bares, finge estar bêbada e, quando os homens começam a assediá-las, os surpreende mostrando estar lúcida, os assustando. Nesses momentos procura mostrar a fragilidade desses homens, cuja masculinidade parece acabar diante de ter a sua frente uma mulher lúcida e sob controle de suas vontades.
Quanto à vingança contra aqueles prejudicaram Nina, a missão de Cassie se inicia quase por acaso, quando reencontra um ex-colega de faculdade. Cassie havia largado o curso de Medicina depois que sua amiga foi estuprada. Como num gatilho, o ex-colega fala no nome do estuprador, que não apenas seguiu os estudos, como se tornou um profissional respeitado e de sucesso.
A vingança de Cassie passa por algumas etapas. Em uma primeira ação, reencontra uma antiga colega, que apresenta uma série de justificativas para não ter acreditado na denúncia de estupro, falando os clichês normalmente utilizados para abafar denúncias de violência sexual em diferentes situações. Cassie cria uma situação em que essa amiga se embebeda e acaba acordando num quarto com um homem em um hotel e fica em dúvida sobre se foi ou não violentada. Nessa armação de Cassie, obviamente a amiga não sofreu a violência sexual, mas, ao final, entendeu a mensagem que queria ser passada.
O segundo passo de Cassie é falar com a reitora da faculdade, que alega não lembrar do caso. O estuprador, por outro lado, era lembrado e comemorado quase como uma estrela. Cassie arma uma situação em que a reitora acredita que a filha está em perigo prestes a ser estuprada. Diante do possível risco contra sua filha, parece que a reitoria também consegue entender o que a colega de Cassie havia passado.
A vingança ainda inclui confrontar o advogado do acusado e o próprio acusado. Essas coisas terão importância narrativa, afinal é o advogado quem tem acesso ao vídeo do estupro e o entrega à polícia e é no confronto com o estuprador que Cassie consegue – apesar de colocar em risco sua própria vida – finalmente um desfecho para a tragédia sofrida por sua amiga.
Outra diferença em relação aos filmes que tocam no tema estupro e vingança é a não estetização da violência sexual. Em Bela vingança, o crime aparece por poucos segundos, em que apenas se ouve o áudio do vídeo, tendo como objetivo mostrar que o namorado de Cassie também foi cúmplice. Isso contrasta, por exemplo, com as cenas de estupro da franquia Doce vingança, que chegam a durar vinte minutos ou mais e onde a nudez do corpo feminino é explicitamente explorada.
Por fim, outra diferença tem a ver com a própria protagonista. No geral, trata-se nesses filmes de uma mulher que vive uma vida pacífica, então é estuprada e magicamente se torna uma assassina treinada e quase que com poderes sobrenaturais. Mesmo filmes que se diferenciam do geral desse tipo, como Vingança (2017), apelam para essa mulher magicamente poderosa, além de se utilizar da estetização do corpo da protagonista.
No caso de Bela vingança, Cassie conviveu anos com o trauma e foi buscando resposta aos poucos. Quando resolveu se vingar diretamente, não o faz por meio de um banho de sangue contra aqueles que levaram sua colega à morte, mas mostrando as contradições do discurso que minimiza o estupro enquanto crime e culpabiliza a mulher que na verdade é vítima. O filme, de forma geral, denuncia a conivência da sociedade com os criminosos e como as vítimas são assediadas física e psicologicamente.
O roteiro tem uma estrutura simples, realizado de forma cronológica, e, apesar de tomar elementos bastante comuns da realidade dos casos de estupro, se mostra bastante criativo. Essa criatividade se mostra, por um lado, ao romper a lógica presente nos filmes que tratam desse tema. Segundo, por não optar por um discurso direto e moral, mas mostrar as situações, de tal forma que qualquer pessoa consiga perceber a concretude do crime de estupro, refletir sobre sua postura quando se defronta com um caso real, e se indignar com esse tipo de brutalidade.