O Brasil no Oscar e a ditadura que precisamos superar

Tempo de comemorar, mas também de ter algumas reflexões.

O resultado da indicação das diferentes categorias ao Oscar trouxe excelentes notícias ao cinema brasileira. Fernanda Torres concorrerá ao prêmio de melhor atriz e Ainda estou aqui o de melhor filme estrangeiro. Conquistou também a indicação para a principal categoria, a de melhor filme, algo inédito para um filme brasileiro.

Esses são motivos para comemorar. Contudo, ao mesmo tempo, coloca também algumas reflexões.

Brasil no Oscar: Reflexões

Em primeiro lugar, mostra-se o vigor do cinema brasileiro mesmo depois de ter sido desvalorizado ou mesmo atacado ao longo dos governos anteriores. Mostra, também, que os profissionais da área, por suas qualidades artísticas e pela seriedade com que encaram sua profissão, devem ser valorizados e respeitados. E mostra o quão vazio é o discurso da extrema direita, que ignora fatos básicos, e é incapaz de olhar o mundo para além de delírios sem sentido.

Em segundo lugar, contraditoriamente, mostra o caráter subordinado do cinema brasileiro em relação ao mercado mundial. Embora produzido no Brasil e contando com uma equipe nacional, sua distribuição se deu por uma empresa estrangeira. Esse elemento, que não é exclusivo deste filme e marca a história do cinema brasileiro, mostra o seu caráter dependente das redes de difusão e comercialização estrangeiras.

Cinema e ditadura

Em terceiro lugar, quanto ao seu conteúdo, o filme não escapa da narrativa tradicional que se construiu sobre a ditadura. O cinema brasileiro sobre o período conta com dois tipos de narrativas, sendo uma delas aquela que resume a repressão ocorrida na ditadura ao AI-5 e às ações de resistência meramente à guerrilha. Contudo, qualquer leitura minimamente informada sobre a ditadura sabe que a repressão data já de 1964 e que o período teve na luta armada somente um episódio de importância limitada. Os próprios ditadores exageraram a importância da luta armada, em seus discursos políticos, afinal tinham a necessidade de construir a imagem de um inimigo perigoso.

O segundo grupo de filmes – ao qual Ainda estou aqui se filia – é aquele que centra sua narrativa em histórias de família de classe média. No geral, são filmes pouco politizados e que, quando falam da ditadura e da necessidade de seu fim, se limitam a um discurso moral ou de defesa de uma paz social genérica. Nessas narrativas, não existe embate entre projetos de sociedade nem se mostra a tensão entre interesses políticos e econômicos que permearam tanto os antecedentes do golpe quanto os desdobramentos finais da ditadura.

Expectativas

Contudo, certamente os eventuais limites da narrativa não tiram os méritos de Ainda estou aqui, seja a intepretação de Fernanda Torres ou a direção de Walter Salles, possivelmente o melhor cineasta brasileira em atividade. Portanto, os prêmios que o filme recebeu até o momento e aqueles que ainda irá receber são merecidos pelo trabalho dos profissionais que realizaram essa obra artística. Quanto à memória sobra a ditadura, é um assunto que extrapola o cinema, passando pela forma como a sociedade encara o problema ou mesmo pelo revisionismo histórico que as ações da extrema direita infelizmente vêm ampliando.

No Oscar, torceremos por Ainda estou aqui. Em âmbito dos embates políticos, ainda precisamos olhar para a ditadura pelo que realmente foi esse regime, superando os limites da memória de diferentes sujeitos que viveram o período e garantindo que esse tipo de tragédia nunca mais aconteça.

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