Apenas uma frase em O Gambito da Rainha, filme disponível na Netflix, foi o suficiente para que a campeã de xadrez Nona Gaprindashvili processasse a plataforma de streaming por difamação. Apenas a justiça poderá decidir se a georgiana tem razão ou não, mas nada impede que o POPOCA deixe sua opinião editorial por aqui. E você também.
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Para começar, a georgiana processa a série por uma frase que valoriza o jogo da personagem de Anya Raylor-Joy, “lembrando” que no universo da série Beth (Anya) já teria superado Nona porque a enxadrista jamais teria vencido homens:
“A única coisa incomum sobre ela, realmente, é seu gênero. E mesmo isso não é único na Rússia. Há Nona Gaprindashvili, mas ela é a campeã mundial feminina e nunca enfrentou homens”.
Porém, é uma inverdade. Na época que a história se passa, a georgiana já teria colecionado vitórias contra enxadristas masculinos.
Embora se trate de ficção, ao citar uma personagem da vida real desta forma a série da Netflix induz – ou pode induzir – o espectador a entender que naquela época nenhuma enxadrista havia vencido homens. Ou seja, uma história aparentemente feminista acaba dando um argumento para lá de machista em relação a uma campeã. Mais do que isto, ao trocar “georgiana” por “russa”, O Gambito da Rainha comete uma ofensa de mal gosto já que georgianos não gostam de serem confundidos com russos assim como ucranianos, por exemplo. Nenhum mexicano gosta de ser chamado de espanhol, etc.
Não é pecado ter gostado da série e toda redação do POPOCA adorou, mas toda opinião é feito de contexto. Indicado a 18 prêmios no Emmy e com sete vitórias, O Gambito da Rainha não teve nenhuma mulher envolvida no roteiro e na história do filme, como lembrou o Omelete. A participação de um homem, Gary Kasparov, foi considerada decisiva para o realismo da série em relação ao xadrez.
Ou seja, é uma história de uma protagonista feminina mas escrita e dirigida por homens. E o enredo se baseia em um livro homônimo escrito por outro homem: Walter Tevis. É difícil acreditar que os produtores envolvidos não viram uma única oportunidade de pedir uma consultoria ou voz feminina na produção. Talvez isto evitasse um erro como o do processo.