Inspirado no livro, Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo, de Mario Magalhães, o filme Marighella traz mais uma vez Wagner Moura na missão que escolheu para chamar de sua: falar de personagens latinos no cinema. Se Sergio era um veículo edificante para valorizar um, sua nova produção como diretor é o retrato de um passado que o Brasil insiste em ser lembrado: o período da ditadura militar.
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Karl Marx dizia que a história se repetia pela primeira vez como tragédia e a segunda como farsa. No Brasil que elegeu Bolsonaro com um discurso autoritário em 2018 e o retirou em 2022, o país parece não superar a tentação de retomar uma página triste de sua história. É quando entra em cena o ator e cantor Seu Jorge como o guerrilheiro Carlos Marighella, baiano, descendente de escravos do Sudão e torcedor do Vitória. Como se isso fosse pouco para lhe conferir o carimbo de brasileiro, sobra valentia, elogios de personalidades estrangeiras como Jean Paul Sartre e uma história apaixonante.
Após roubar um trem com armas militares, dissidentes do Partido Comunista Brasileiro fundam A Ação Libertadora Nacional (ALN) com o objetivo de gerar ações que desmoralizassem a ditadura militar e esclarecessem a população brasileira como assalto a bancos seguido de discursos, entre outras. Entre eles está Carlos Marighella (Seu Jorge), que deixa para trás seu filho e uma vida civil para declarar guerra aos militares que haviam deposto um presidente legitimamente eleito, sequestrado o Brasil e pareciam incapazes de deixar o poder. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
A direção de Moura surge com firmeza tanto em cenas dramáticas quanto nas cenas de ação. Como num filme que se passe na segunda guerra e aborda o nazismo, Marighella não se preocupa em criar tons de cinza entre os personagens. Bruno Gagliasso interpreta um delegado com prazer de perseguir e violentar guerrilheiros. Embora não seja descrito em nomes, o personagem é nitidamente inspirado no delegado Fleury, descrito por muitos como sádico e psicopata. Da mesma forma, Marighella é mais heróico e apaixonado do que qualquer super-herói. Parece pobre como drama? Mas vale lembrar que assim era o baiano, que chamou atenção tanto pela capacidade intelectual quanto por sua capacidade física de atrapalhar e humilhar ditadores.
Como um filme tremendamente necessário, Marighella também não se furta às homenagens como ao ter a atriz Maria Marighella que interpreta a própria avó. É nesse universo de necessidades tupiniquins que a própria artista foi chamada de volta à presidência da Fundação Nacional de Artes (Funarte), desta vez como a primeira presidente nordestina da instituição (anteriormente, fora coordenadora de teatro). É um epílogo feliz que o filme não teria como contar, mas enriquece sua história e o final bárbaro que a ditadura destinou a um brasileiro. “Eu deixei você, meu filho. Para lhe garantir um mundo melhor”, diz Marighella como uma profecia que um Brasil muito maior que o bolsonarismo insiste em não deixar morreu. Um sinal de que não é só o show, mas a luta também tem que continuar. Nem que seja viva em todos nós ou na tela.
Nota: 9
Confira o trailer de Marighella: