‘A Substância’ nasce (e se discute) como clássico

Filme com Demmi Moore e Margaret Qualley é uma fábula sobre o ideal impossível de beleza e juventude que pressiona mulheres

A Substância tem dois momentos relevantes. No primeiro, conhecemos a modelo e apresentadora Elisabeth Sparkle (Demi Moore) que é aposentada de seu programa de exercícios porque atingiu seus cinquenta anos (Demi tem 61 anos) e recebe inesperadamente a oferta de receber uma fórmula que promete “apresentar a melhor versão de si mesma”. Ao aceitar, Elisabeth passa por um processo que gera uma cópia jovem e que passa a se apresentar como Sue (Margaret Qualley). Um corpo deve permanecer inerte durante sete dias enquanto o outro vive. Mas como resistir viver um pouco mais como jovem e quais as consequências?

Atenção: este texto tem spoilers sobre o filme.

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A jornada para o segundo momento do filme talvez seja para muita gente seu ponto alto. Quando Elisabeth abusa da fórmula para fazer mais como jovem ou mesmo ao se irritar com sua a versão… Original (!) de si mesma porque “comeu demais” e coisas do tipo.  A Substância ganha ares de uma fábula ou um Retrato de Dorian Gray moderno e feminista explorando a impossibilidade de ser jovem, bonita, experiente e tudo com realismo fantástico. Pessoalmente, me perturbou os closes sensuais que a diretora e roteirista Coralie Fargeat usa para exaltar a beleza da atriz Margaret Qualey, que podem talvez serem um pouco exageradamente sensuais.

O clímax do filme ou seu segundo momento, como prefiro chamar, ocorre quando as duas versões nao conseguem coexistir. Com Elisabeth fora do caminho, Sue percebe que está se desfazendo e tenta desperadamente aplicar a fórmula em si mesma. Ou seja, criar uma versão da versão. O resultado acaba sendo um novo ser escatológico e que comete escatologias dignas de A Mosca. Para muita gente a cena em que a “ElizaSue” aparece diante do mundo e reage ao seu horror, piorou o filme. Mas vale lembrar que vivemos em um mundo onde o corpo feminino é menos estudado e muitas pessoas parecem não reagir bem ao seu funcionamento normal. Ou seja, o filme mostra de modo repugnante como é extremo odiar tanto a si mesma a ponto de se mutilar e como é nojento quem nos leva a esse caminho.

Coralie dirige uma cena escatológica para reagir a essa hipocrisia e nos trazer para o extremo oposto do que nossa sociedade deveria ter realmente nojo: a platéia que exige esses sacrifícios das mulheres. Talvez a gente deva reagir menos a isso do que a quantidade de vezes em que comentamos sobre peso, aparência e outras prisões que a sociedade obriga mulheres a viverem. A Substância se consolida como clássico porque o discutiremos por muito, muito tempo.

Nota: 8

O que significa o final de A Substância?

Quando “EliSue” deixa o estudio e se desfaz na calçada, seu unico resquício é um amontoado de alguma pele e sangue. Suas celulas caminham para a autodestruição, mas ela usa suas últimas forças para ir até sua propria estrela na calçada da fama. Ali, diante do que julga ser seu maior momento, ela ve nas estrelas a propria imagem de uma boneca em uma bola de cristal repleta de brilhos ao seu redor. O significado é que ela vive um delirio que finalmente conseguiu conquistar a juventude, a imutabilidade que almejava mas quando chega a esse pensamento se desfaz em seu trono, que se torna também uma espécie de túmulo.

Confira o trailer de A Substância:

A Substância pode ser visto nos cinemas brasileiros.

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