1917 é um assombro técnico. Um filme de 119 minutos sem cortes aparentes, a Primeira Guerra Mundial sintetizada em um plano-sequência quase sem interrupções: a câmera acompanha os protagonistas por entre trincheiras, valas, cidades destroçadas, rios, com uma fluidez fantasmagórica, como um narrador onisciente mas quase em primeira pessoa, acompanhando de perto a trajetória de dois soldados incumbidos de uma missão quase impossível.
O roteiro não tem maiores firulas nem grandes digressões filosóficas: é quase como se fosse um road movie, só que movido a pé. Há um ponto de partida e um destino a ser alcançado: mas a trajetória é filmada de maneira cinematograficamente espetacular (sua fotografia, a cargo de Roger Deakins, é uma das maiores barbadas do Oscar 2020).
Quem exige de um filme de guerra análises aprofundadas sobre os horrores da violência inútil e das atrocidades humanas, com personagens repletos de conflitos interiores densos, provavelmente se satisfará mais assistindo a clássicos como Glória Feita de Sangue ou Nada de Novo no Front; a proposta, aqui, é outra: mostrar uma guerra através de uma narrativa visual extremamente fluida e que beira a poesia abstrata (vide as sequências noturnas em uma cidade bombardeada, iluminada por incêndios e sinalizadores).
Em tempos nos quais é cada vez mais comum assistir filmes na tela de um televisor (ou até mesmo de um celular), 1917 é um espetáculo audiovisual grandioso que demanda a imersão em uma sala de cinema com a melhor tela e o melhor som possíveis. Ao contrário de obras pomposas que se acham mais artísticas e profundas do que efetivamente são (Alejandro González Iñárritu feelings), o uso do aparente plano-sequência único é plenamente justificado: em um ano pródigo de excelentes filmes como Parasita, História de um Casamento e Adoráveis Mulheres, Sam Mendes conseguiu pegar um gênero surrado e criar um monumento visual único, que justifica plenamente todos os prêmios que anda arrebatando por aí.