Depois de ler literatura feminina árabe de alguns países mais abertos, como Egito e o Líbano, finalmente consegui um exemplar de literatura feminina da Arábia Saudita! Artigo raro no mundo inteiro, inclusive dentro da Arábia Saudita, onde o livro foi devidamente banido, claro. E como toda literatura árabe que envolve mulheres, o livro tem vários casamentos importantes para a história, o que o torna perfeito para o tema de maio do Desafio Literário Popoca!
SPOILER FREE
A saudita Rajaa Alsanea traz uma história escrita por e-mails semanais, enviados para um grupo onde qualquer um pode se inscrever (gente, eu lembro dessa época com esses grupos de e-mails! faziam o maior sucesso), onde a história de quatro jovens sauditas é contada em capítulos quase novelescos. A história é toda apresentada como sendo real, apenas com os nomes e alguns lugares trocados para manter a anonimidade e, portanto, a honra das quatro moças.
A parte mais interessante e maravilhosa do livro é que, sim, tudo do que é apresentado na narrativa pode ser real, extremamente real. E a autora aproveita disso para fazer críticas nada discretas à forma como o governo saudita e a estrutura de clérigos wahabitas fazem o controle da sociedade. Dizer que a crítica é ferrenha é até pouco.
O livro também está envolvido numa problemática de ter sido banido em árabe no Reino Saudita, apesar de poder ser encontrada a tradução para o inglês na terra do petróleo, além de vir com uma explicação com ar de desculpas pelas adaptações que foram necessárias na tradução. Isso porque não é possível reproduzir a quantidade de variedade de dialetos do árabe que a autora precisou utilizar para contar a história. Apesar disso, o livro é recheado de notas de rodapé muito ilustrativas e bem feitas.
Questões de censura e linguística à parte, a história em si é maravilhosa, além de bem escrita, e de quebra faz um retrato muito realista da sociedade saudita. Não só internamente, mas, se você prestar atenção, com relação aos seus vizinhos e com uma questão xenofóbica interessante também. Para aqueles que gostam de ler sobre a cultura árabe é um prato cheio, com a vantagem de ser não só uma visão originalmente saudita, mas também leve de ler. Em termos, se você considerar o conteúdo de algumas passagens da história que não são nada leves. Apesar de que não tem nada explícito, claro, afinal, a autora é saudita, por mais que tenha críticas fortes e queira chocar os leitores.
A única coisa que me deixou triste é que a autora nunca mais escreveu nenhum livro literário depois desse (pelas minhas pesquisas ela só publicou um livro técnico sobre odontologia – informação interessante de você guardar quando for ler a história), o que é uma pena.
Informação importante: o livro foi traduzido para o português com o título “Vida dupla”!
Super recomendo a leitura para todos!
Nota 10!