Em primeiro lugar, por que representatividade nerd importa? Quem diz que representatividade não importa nunca sofreu nenhum preconceito na vida. Eu me lembro em 2023, quando vi o episódio “Festa do pijamonstro”, de Monster High. Estava lá a Twyla, personagem autista, assim como eu.
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Nesse episódio, Frankie, Clawdeen e Draculaura, por conta de uma aposta feita pela Toralei, vão passar a noite na biblioteca. Elus colocam uma música alta na biblioteca. Logo, a Twyla, desesperada, desliga o som. Porque ela, como autista, tem aflição a certos sons. Ela explica que ficou assim porque é autista e odeia sons altos e es três fazem a atitude que todo o mundo deveria fazer: fazem, junto com a Twyla, atividades mais silenciosas, como jogos de tabuleiro por exemplo. Esse episódio me tocou profundamente.
Tenho aflição a certos tecidos. Muitas vezes, já pedi para pessoas trocarem tecidos de cadeiras e de lençóis de cama. Mas, para eles, não tinha “cara” de autista e que eu deveria respeitar porque tinha gente no ambiente que gostava do tecido. Ou seja, não entendiam que não é uma questão de gosto estético, mas de que, se não trocar o tecido, eu passo mal. Não é birra ou draminha. Twyla também se veste bem, tem poucos movimentos repetitivos e consegue fazer várias atividades sozinha. Mas ela foi respeitada.
Eis aí a importância da representatividade: as pessoas aprendem sobre cada deficiência e sobre como lidar com elas.
Mas, afinal, o que é uma representatividade má de pessoas com deficiência?
Há um trecho que pode resumir muito bem toda a má representatividade de pessoas com deficiência (e até de minorias sociais oprimidas no geral): manipulação de fatos.
Revi Branca De Neve por causa do polêmico podcast em que o ator Peter Dinklage disse que as pessoas com nanismo da famosa animação da Disney dos anos 30 estavam estereotipadas. Revi só pra tirar as minhas próprias conclusões. A Branca De Neve é a mais bela do reino. Durante o filme inteiro, demonstra-se o que é ser bonita. É ser delicada, ter educação, ser bondosa, ser magra, ser branca, sem deficiência, jovem. Desde a primeira aparição das sete pessoas com nanismo, os sete só ficam reforçando isso com falas do tipo “Ó! Mas que linda!”. É claro que valores como bondade, educação e humildade devem ser sempre honrados. Mas pessoas com nanismo passam suas vidas e tentando fazer coisas que nada têm a ver com o nanismo e também tentando aceitar o seu corpo, como se aprendessem desde cedo que o problema é a sociedade não achar essas pessoas bonitas, não elas.
Quando assisti Heidi (um anime dos anos 70 traduzido por aqui como A Pequena Heidi), a personagem Clara me chamou a atenção. Ela é cadeirante e triste por sua condição e não por causa da sociedade por trás disso. Ela quer ser curada e, graças à animação e doçura da protagonista Heidi, Clara consegue andar. O anime mostra ela não conseguindo fazer as tarefas direito pelo fato de ser cadeirante enquanto a falta de acessibilidade, a infantilização, o bullying e o fato de passarem a vida inteira ouvindo comentários como “Nossa! Seu namorado é muito bom por estar fazendo essa caridade de ficar com você” ou “Tão bonita! Pena que é cadeirante” não são o problema principal. Porém, muitos cadeirantes conseguem fazer muito mais atividades que os outros pensam e, mesmo nos casos de não conseguirem, quem decide isso é o próprio cadeirante, e não terceiros que acreditam na incapacidade de pessoas com deficiência.
Outro caso é o filme Ray Man. Ray, personagem autista interpretado por Dustin Hoffmann, é adulto e não tem interesses em trabalhar, só fica o filme inteiro repetindo informações sobre o seu hiperfoco em aviões. Além disso, não se preocupa com o seu irmão em nenhuma vez na vida e seu design de personagem inteiro mostra um homem desleixado. Meu hiperfoco é sobre Cultura Pop e representatividade. Como puderam ler nesse texto, pesquiso muito sobre o tema. Mas não decoro todos os atores com deficiência, apesar de saber o nome de vários. Preciso do Google.
Além disso, a falta de desejo de ir trabalhar é completamente irrealista em qualquer autista. Inclusive, muitos usam de seu hiperfoco como fonte de renda, como é o meu caso, que faço leitura sensível. Os autistas apresentam dificuldades de socialização, mas jamais uma falta de amor a uma pessoa, principalmente o seu próprio irmão, até porque são conceitos distintos “Amor” e “Habilidades sociais”. Além disso, todo o autista vai ter sim movimentos repetitivos, dificuldade de entender certos conceitos sociais de vestimenta, além de dificuldades com certas expressões sociais. Mas isso não quer dizer que não haja uma diversidade entre os autistas, tendo até autistas modelos com hiperfoco em moda e em se vestir bem, como é o caso de maquiadore Jazmin Bean.
E você, o que acha?
*Ana Fernandes é autista desde o nascimento. É escritora, quadrinista, desenhista e roteirista (mesmo que ainda esteja começando a carreira). É consultora de representatividade para personagens com deficiência, fazendo a leitura sensível de contos, curta-metragens, filmes, média-metragens, livros (inclusive infantis) e quadrinhos. Além disso, é influenciadora digital (@anerdpcd) no Instagram e no TikTok, falando sobre representatividade de pessoas com deficiência na cultura pop.