Em 2019, no Rock in Rio, uma banda que chamou bastante a atenção foi o trio de heavy metal Nervosa. Isso se deve, entre outras coisas, ao fato de a Nervosa ter sido a primeira banda de heavy metal formada apenas por mulheres a participar do festival. Embora tenha se apresentado em um dos palcos secundários, abriu a noite para o Slayer, uma das bandas em atividade de maior notoriedade do heavy metal.
O heavy metal é famoso pelo pouco espaço dado às mulheres, normalmente limitadas a atuar como vocalistas em bandas majoritariamente formadas por homens, tendo revelado cantoras talentosas como Tarja Turunen (ex-Nightwish), Cristina Scabbia (Lacuna Coil) e Alissa White-Gluz (Arch Enemy). Com algumas poucas exceções, em grande medida ligadas ao cenário underground, o heavy metal esteve marcado majoritariamente por compositores e músicos homens.
Nas primeiras décadas do heavy metal há indícios de existência de um pequeno número de bandas formadas apenas por mulheres, que remetem a nomes que, apesar da qualidade de algumas delas, atualmente são pouco conhecidas do grande público. No final da década de 1970 e nos anos 1980 podem ser destacados bandas como Rock Goddess e Girlschool, do Reino Unido, Show-Ya, do Japão, e Phantom Blue, dos Estados Unidos. Nesse período, contudo, o nome feminino que sobressaiu foi o da cantora Doro Pesch, vocalista e única mulher na banda alemã Warlock.
Nos anos recentes há pequena uma mudança nessa lógica. Ainda que minoritárias, percebe-se o crescimento de bandas constituídas apenas por mulheres no heavy metal. Não se trata apenas de um crescimento numérico, mas do espaço em festivais e premiações e da assinatura de contratos com importantes gravadoras, desde o final da década de 1990.
Normalmente se fala em duas ondas na história do heavy metal, uma inglesa na década de 1980 e outra estadunidense nos anos 1990. Considerando o fenômeno do crescimento da participação das mulheres, não seria exagero pensar o período recente como uma onda das mulheres, em âmbito mundial, especialmente a partir de 2005. Essa onda feminina vem mostrando uma criativa e profunda renovação do heavy metal.
Um marco possível para essa onda de heavy metal talvez esteja na Kittie, do Canadá, que recentemente lançou um documentário sobre os vinte anos de trajetória da banda. Criada em 1999, a Kittie teve como fato mais importante, além da longa e bem-sucedida carreira, a excelente recepção da música “Charlotte”, no ano seguinte à criação da banda.
Outras bandas conquistaram algum sucesso, como Crucified Barbara, da Suécia, Betty Blowtorch, dos Estados Unidos e Mystica Girls, do México. O sucesso de Mystica Girls, criada em 2005, em grande medida foi embalado pela recepção da música “Gates of the Hell”, lançada em 2014 e interpretada pela cantora chilena Mon Laferte, vocalista da banda na época.
Contudo, tem sido no Japão que a onda de metal feminino mostra mais força, no que vem sendo chamado de Girls Metal Band Boom. Um marco desse processo certamente foi a criação da banda Destroya, em 2005. Dois anos depois a banda mudou o nome para Destrose, pelo qual se tornou mais conhecida. Embora tenha deixado de existir em 2015, a Destrose foi responsável pela formação de algumas das principais artistas que atualmente se destacam no heavy metal do país, especialmente nas bandas Mary’s Blood e Lovebites.
Lovebites ganhou o prêmio como banda revelação do Metal Hammer Golden Gods, em 2018. Essa foi a primeira vez que uma banda formada apenas por mulheres ganhou alguma das categorias desse que é um dos mais importantes prêmios do heavy metal. No mesmo ano também foram premiadas as bandas Arch Enemy e Lacuna Coil, que, embora com uma composição predominantemente masculina, têm vocalistas mulheres.
Outra herdeira da Destrose, a excelente Mary’s Blood, criada em 2009, lançou, com grande sucesso, o especial de comemoração de dez anos da banda. Em 2019 a banda lançou o elogiadíssimo álbum “Confessions”. Completam o cenário de bandas japonesas a Aldious e a Band-Maid, bastante populares no país, entre outras.
Fora do Japão, uma banda recente que tem se destacado é a Burning Witches, da Suíça. Em 2019, depois de conquistar contrato com a Nuclear Blast, uma gravadora importante no cenário do heavy metal, a banda se apresentou no Wacken, na Alemanha, que é um dos maiores e mais tradicionais festivais do heavy metal do mundo. Um dos elementos que mais chamam a atenção nesta banda, além da sonoridade que lembra o período clássico do heavy metal, são as letras que metaforicamente relacionam o machismo com a caça às bruxas.
Esses elementos mostram que há um crescimento das bandas femininas no cenário do heavy metal, nos últimos vinte anos. Embora predomine uma certa estagnação criativa no heavy metal, com bandas que se repetem entre si ou em muitos de seus álbuns, algumas dos grupos formados por mulheres têm apresentados elementos criativos e até mesmo de renovação, além de algumas instrumentistas que estão entre os melhores músicos em atividade. Não se sabe quais serão os desdobramentos desse processo no futuro, mas está claro que o cenário musical vive importante e dinâmica onda feminina no heavy metal.