Lançado em 2015, o filme Corrente do Mal foi uma das melhores novidades produzidas no cinema de horror nos últimos anos. O filme, que teve um baixo custo de produção e utiliza poucos recursos digitais, apresenta uma história que em grande medida lembra alguns dos melhores momentos do cinema de horror. A produção acaba indo na contracorrente do gênero, onde nas últimas décadas a maior parte das produções se perdeu em efeitos especiais sem criatividade, narrativas empobrecidas e histórias repetitivas. Com Corrente do Mal e outras produções, como A Bruxa e Corra!, alguns dos principais elementos do cinema de horror vem sendo retomados de forma criativa.
No filme, uma garota faz sexo com o rapaz com quem vinha saindo. A partir disso, Jay, a protagonista do filme, começa a ser perseguida por algo, uma entidade de forma indefinida, que assume a aparência de diferentes pessoas. Essa entidade, que caminha lentamente em sua direção e parece ter como único objetivo matá-la, pode ser vista apenas por Jay ou por outras pessoas que já carregaram essa mesma “maldição”. Como essa “maldição” é transmitida pelo ato sexual, se a pessoa fizer sexo com outra, é esta que passará a ser perseguida. Se a pessoa que carrega a “maldição” morre, vítima da entidade ou por outro motivo, é a pessoa anterior que volta a ser perseguida pela entidade. Contudo, mesmo quando se passa adiante a “maldição”, a pessoa que a carregou permanece nervosa e angustiada, pois ainda pode ver a entidade e teme a qualquer momento voltar a ser perseguida.
O filme apresenta elementos narrativos importantes, como a tensão e o suspense, que cresce à medida que Jay se sente mais angustiada. Em Corrente do Mal o suspense é construído a partir da ameaça de algo totalmente indefinível e imprevisível. Para potencializar esse elemento, no filme utiliza-se o fato de monstro não ter uma forma fixa, podendo assumir a imagem de qualquer pessoa, conhecida ou não de Jay. Numa cena em que o grupo de amigos está em uma praia somente sabemos que a banhista que se aproxima é a entidade quando Jay é finalmente atacada.
Outro importante elemento presente no filme é a competente interpretação do jovem grupo de atores. O medo extremo vivenciado pelos personagens precisa não apenas ser convincente, mas inclusive provocar desconforto no espectador. Jay está amedrontada, tensa, paranoica, com receio de tudo e de todos. O grupo de amigos, ainda que não seja diretamente ameaçado pela misteriosa criatura, mostra-se igualmente assustado, numa construção gradativa que vai da dúvida em relação às visões de Jay até o sangue que toma a piscina numa das cenas no final do filme.
Outro elemento dos filmes de terror que está presente em Corrente do mal é a questão sexual. O filme não trabalha com uma erotização vazia da protagonista, ou seja, não tenta representar uma colegial no corpo de uma mulher madura. Mostra uma garota ainda em amadurecimento, experimentando o mundo, com seus prazeres e riscos. Jay ainda está aprendendo a lidar com sua sexualidade e, em meio a essa vivência, passa por esse profundo trauma. Numa cena emblemática, quando ainda não entende bem o que viria a acontecer, logo no dia seguinte ao ato sexual, olha para dentro de sua calcinha, talvez tentando entender o que estava acontecendo. Parece temer que haja algo de errado com seu corpo depois do estranho encontro na noite anterior.
Diferente de outros filmes do gênero, a protagonista não possui uma sexualidade recalcada, ainda que enfrente as consequências do sexo quase casual. Diferente da tradicional final girl, presa em amarras moralistas e com uma sexualidade reprimida, Jay vivencia essa sexualidade e inclusive joga com isso, ao passar a “maldição” para um de seus amigos, que acaba sendo morto nas mãos da bizarra entidade.
Embora criativo em sua construção narrativa e estética, o filme ainda está preso no moralismo comum ao gênero, comentado em outro texto. No filme está muito óbvia a mensagem de que fazer sexo com uma pessoa quase desconhecida é um erro, pois uma das consequências pode ser inclusive a morte. O fato de conseguir escapar da entidade que a persegue mostra a Jay a possibilidade de mudar o rumo de suas escolhas e seguir em frente em um relacionamento que seja, por assim dizer, mais socialmente aceitável.
Corrente do mal é uma significativa experiência do que de melhor se vem experimentando no cinema de horror nesses últimos anos. Ainda que se possam levantar críticas, o filme é uma excelente obra que mostra as inesgotáveis possibilidades de reinvenção do gênero, superando os roteiros repetidos e os efeitos especiais sem criatividade, ao resgatar o princípio básico do gênero: a sensação de medo levada ao extremo.
Nota: 9