Em suas mais recentes temporadas, as séries Supergirl e The Gifted abordaram um tema dos mais atuais: o crescimento da onda de intolerância. As séries trouxeram elementos e até mesmo alguns exemplos de intolerância observáveis atualmente nos Estados Unidos, ainda que também não seja difícil fazer analogias com países onde a extrema direita vem crescendo, como é o caso do Brasil. Em ambas vemos ações cotidianas de grupos de extrema direita que visavam combater, no caso de Supergirl, extraterrestre e, em The Gifted, mutantes. Nos dois estava em jogo uma discursividade de puro ódio contra o “outro”, além de ações violentas.
Em The Gifted, desde a primeira temporada há a construção dessa luta contra a opressão aos mutantes. O centro da narrativa são dois irmãos que se descobrem mutantes numa sociedade que possui rígidas regras para o uso até mesmo dos poderes mais simples. Na prática, os mutantes são obrigados a se esconderem, sob risco de sofrerem uma dura repressão ou, pelo menos, de serem vítimas de intolerância. Um dos focos da temporada mais recente foi mostrar as formas de organização e as ações de um grupo paramilitar chamado de Purificadores. O grupo passou a ter destaque pelo fato de ganhar em suas fileiras um ex-agente da do Estado que atuava em uma unidade especial de repressão aos mutantes.
Em Supergirl, a temporada mais recente apresentou o Agente da Libertação e seus seguidores, os Filhos da Liberdade, também um grupo paramilitar, que persegue extraterrestres exilados na Terra. O tema foi introduzido na temporada anterior, mostrando o cotidiano de alguns desses seres exilados tentando construir suas vidas, mas somente agora o tema passou para o centro da narrativa. Na série são feitas uma série de analogias em relação à conjuntura atual, como o slogan “Terra acima de tudo” ou o xingamento de “insetos” para os extraterrestres.
No caso de The Gifted o centro da narrativa está em priorizar a política de preconceito, em que ações do Estado convergem com a atuação da milícia, talvez mais próxima ao que sofrem negros e homossexuais. Em Supergirl a analogia parece se remeter mais à situação dos imigrantes que buscam um recanto onde possam viver suas vidas, num claro embate com o discurso do ódio exalado por figuras como Trump.
Em The Gifted, a caçada do antigo agente da repressão tem um caráter bastante pessoal, afinal sua filha morreu num suposto ataque terrorista provocado por mutantes. Nas duas séries, mutantes e extraterrestres não são seres naturalmente bons, mas são mostradas suas contradições, diferenças, medos, enfim, toda a sua diversidade, inclusive daquela pequena parcela que se coloca como inimiga dos humanos. Contudo, deixa-se claro que a maior parte dos mutantes e dos extraterrestres não quer outra coisa que não viver suas vidas em paz, sendo também, em muitos casos, arrastados a cometer ações violentas como resposta ao ódio e à repressão que sofrem.
Em Supergirl, o gatilho em certa medida está associado a uma questão econômica. O líder do grupo de extrema direita sentiu concretamente em sua família as mudanças para a passagem de força de trabalho e de matéria-prima mais baratos de origem extraterrestre. Ainda que não explore de forma mais detida, como acontece com os mutantes, em certa medida cabe a boa parte desses “outros” ocupar postos de trabalho com menores salários e mais precarizados. O tema apareceu poucas vezes de forma direita em The Gifted, em grande medida porque a série mostra um clima de quase guerra entre humanos e mutantes, diferente de Supergirl.
Na Era Trump, as séries não poderiam deixar de expressar os problemas enfrentados pela sociedade, em especial no que se refere à marginalização de uma parte dos habitantes. Em ambas as séries, ainda que evitem algo mecanicista, não deixam de assumir um claro posicionamento de simpatia por esses “outros” que são perseguidos e sofrem violência unicamente por conta de sua condição biológica. Essas duas séries e outras que se dispõem a discutir a questão do ódio espalhado pelo discurso de certos políticos, em especial Trump e aqueles que o tomam como referência, podem cumprir um papel fundamental no sentido de problematizar esses discursos de ódio e contribuir, ainda que com seus limites, para a reflexão sobre uma nova sociabilidade e, até mesmo, sobre uma nova sociedade.