Imagine poder apagar de suas lembranças um relacionamento amoroso que não acabou bem e deixou muitas marcas de tristeza. Não se trata apenas de apagar fotos ou limpar o histórico de mensagens de aplicativo de conversa instantânea do celular, mas literalmente tirar qualquer lembrança daquela pessoa com quem se conviveu, como se ela nunca tivesse existido na sua vida. Trata-se, enfim, de deixar para trás não apenas o que eventualmente houve de ruim, mas também as boas lembranças que podem ser carregadas.
Essa premissa é a base para o premiado filme Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, do diretor francês Michel Gondry e do cultuado roteirista Charlie Kaufman, lançado há quinze anos. No começo do filme, Joel (Jim Carrey) esbarra com a jovem Clementine (Kate Winslet, indicada ao Oscar pelo filme) e há imediatamente uma aproximação dos dois, como se houvesse uma ligação íntima anterior. Não lembram de conhecer um ao outro, mas são atraídos por um sentimento de confiança e, ao que parece, uma paixão repentina.
Logo o espectador sabe que Joel participou de um tipo de experimento em que é possível fazer com que as pessoas sejam apagadas das lembranças. Ele acaba descobrindo por acaso que Clementine havia passado pelo procedimento e decide apagá-la de suas memórias. No filme é contada essa história de amor intencionalmente de trás para a frente, ou seja, das brigas e da crise que levou à separação, passando pelos desgastes da rotina cotidiana e dedicando bastante tempo a contar os muitos momentos felizes.
O filme instiga a refletir se essa medida tão drástica é de fato uma solução. Quando somos confrontados pelas lembranças felizes, claro que queremos rememorar e até mesmo reviver tudo aquilo que compartilhamos com a pessoa amada. Contudo, temos um instinto de querer esquecer as lembranças ruins, como se elas não fizessem parte de nossas experiências. Ainda que seja um tanto quanto exagerada, a escolha que Joel faz não deixa de ser a mesma que que muitos fazem todos os dias, jogando fora os presentes recebidos, rasgando fotos, enfim, procurando se livrar de tudo que possa trazer lembranças daquela pessoa.
No filme, ao longo do processo de apagamento das memórias, ao ser confrontado com as lembranças, o próprio Joel resiste. Revendo tudo o que viveu, como num filme, parece entender que aquelas lembranças, mesmo as ruins, são parte de seu ser e devem permanecer com ele. O processo já está iniciado e não pode ser interrompido, mas ao final fica claro que é impossível apagar uma pessoa de sua vida.
Uma história paralela no filme fortalece essa ideia. Mary, uma das personagens secundárias, é apaixonada pelo seu chefe, que criou o método para apagar as memórias. Contudo, ao longo da história, se descobre que aquela não era a primeira vez que se apaixonava pelo chefe. Os dois chegaram a ter um relacionamento e, diante de pressões das mais variadas (entenda-se assédio), Mary aceitou apagar aquelas lembranças. Mas, mesmo com as memórias apagadas, Mary voltou a se interessar pela mesma pessoa. Mary, Joel e Clementine encontram atalhos em sua mente que lhes permite voltar a encontrar a pessoa que amam.
No final das contas, o que o filme quer dizer é que nós até podemos guardar fragmentos de lembranças das pessoas. Essas memórias ajudam a fortalecer nossos laços, mas esse não o elemento que mais profundamente nos marca numa relação. O racional é menos importante do que aquilo que sentimos por essas pessoas. Podemos esquecer coisas, de alguns fatos vividos, de alguns objetos, mas não é possível apagar o sentimento que molda aquela vida em comum. Um amor vivido não é um conjunto de fatos aglomerados em nossa memória, mas uma vida experimentada e compartilhada com a outra pessoa. Joel e Clementine nos mostram esse belo caminho.
Nota: 10