Existe um equívoco entre roteiristas e escritores com personagens femininas. Enquanto os heróis sempre passam por provações duras e variadas, as mulheres frequentemente precisam ser alvo de abuso sexual para amadurecerem e se tornarem… Heroínas. Repare mesmo em séries que se passam dentro de uma prisão e retratam personagens masculinos, não acontece de alguém endurecer ou se tornar mais corajoso pelo estupro. Frequentemente, aliás, as vítimas são os personagens mais psicologicamente fracos.
Por que com mulheres vemos histórias com o estupro como um rito de transformação em heroína?
Sansa (Sophie Turner) inicia sua jornada em Game of Thrones como uma adolescente mimada, que não se dá bem com os irmãos. Nas temporadas seguintes é uma jovem assustada e reativa, vítima da manipulação de Mindinho (Aidan Gillen) e, enfim, da violência de Ramsay (Iwan Rheon).
É a partir de todos os abusos e dos estupros que sofre que Sansa evoluiu para se tornar uma personagem determinada e forte. Foge de seu algoz, retorna e retoma Winterfell. Mas ainda ouve dele o seguinte: “o que fiz sempre estará em você”. É verdade. Qualquer vítima de estupro tem marcas que não cicatrizam.
Só no Brasil, são mais de 160 estupros por dia o que deixa claro a gravidade do crime. Tudo isso vem de um ciclo de objetificação da mulher, a cultura do estupro. Game of Thrones é uma das melhores séries de todos os tempos e Sansa faz parte desse sucesso. Mas cabe uma séria reflexão se o arco dramático da personagem dependia disso. Em texto de 2017, Laura Vascouto aborda a questão com mais profundidade.
Nos livros de George R. R. Martin, Sansa foge do perigo vivendo no Vale e recebendo instrução com uma identidade falsa. Ela é preparada para liderar. Por que os produtores da série seguiram uma direção diferente?