Reforma e revolução em Wakanda de ‘Pantera Negra’

Lançado em 2018, o filme Pantera negra conseguiu algo quase inédito em um filme sobre super-heróis: ser, ao mesmo tempo, em estrondoso sucesso de público e largamente elogiado pela crítica especializada. Essa foi uma das razões pela qual pode ser considerado um marco desse gênero cinematográfico, superando qualquer comentário que afirme serem as produções sobre super-heróis de baixa qualidade, uma casca vazia cheia de efeitos especiais ou, até mesmo, obras infantis.

Encontra-se em Pantera negra justamente o mérito de equilibrar os elementos formais e de efeitos especiais grandiosos com uma narrativa cheia de densidade política e cultural. Pode-se ver nesse filme, além de um elogio à ancestralidade africana, a reflexão sobre o permanente embate entre reforma e revolução, num contexto de lutas das populações negras.

O filme acompanha T’Challa que, após a morte de seu pai, o Rei de Wakanda, precisa encarar a sucessão ao trono, para ocupar o seu lugar de direito. Faz parte desse legado vestir o manto do Pantera Negra. Wakanda é uma isolada e tecnologicamente avançada nação africana. Mas, com o aparecimento de um misterioso inimigo, Erik Killmonger, sobrinho do rei falecido, T’Challa é desafiado como monarca e como Pantera Negra. Esse embate coloca o destino de Wakanda, e do restante do planeta, em risco.

No filme mostra-se a luta entre distintas perspectivas políticas. T’Challa se propõe a dar continuidade ao projeto político do pai, ou seja, manter o completo isolamento de Wakanda em relação ao mundo. Esse isolamento teria sido a razão de Wakanda conseguir alcançar seu desenvolvimento econômico, mantendo o país a salvo de interesses estrangeiros e coloniais.

Um projeto alternativo é apresentado por Killmonger, para o qual Wakanda deveria apoiar as lutas das populações negras pelo mundo. Para ele, os negros, com o apoio material de Wakanda, poderiam se vingar de todo o sofrimento imposto por gerações de exploração e humilhação. Killmonger não propõe uma mudança de regime, procurando encabeça a monarquia.

No filme, se confrontam o projeto de abrir Wakanda para o mundo com o de manter o país em segredo diante de possíveis investidas externas. O projeto de abertura, por sua vez, mostra ainda dois caminhos, um de fazê-lo pela diplomacia e outra pelas armas.

Contudo, a alternativa de mudança profunda também apresenta problemas, por duas razões. Primeiro, por usar a tradição para tomar o poder e depois literalmente queimá-la, sem questionar seus pressupostos conservadores. Segundo, por não ser uma mudança baseada na organização e mobilização dos trabalhadores, de Wakanda ou dos demais países em uma unidade internacional, mas uma política autoritária, feita por cima, centralizada numa figura da família real.

 

Wakanda
Wakanda Forever: Pantera negra tornou o país memorável e real nos nossos corações

No enfrentamento entre os projetos políticos representados por T’Challa e por Killmonger – manutenção da ordem governada pela família real ou promoção de guerras civis nos demais países – não vence nenhuma das propostas, mas a de conciliação, mediada pela ONU. No final do filme, T’Challa divulga para o mundo parte dos segredos de Wakanda, dando início também a projetos de assistência voltados para as populações negras de diversas partes do mundo.

No final, portanto, o filme defende que, a despeito dos problemas que possam existir nas tradições monárquicas de Wakanda, as mudanças rápidas e profundas também representam problemas. O próprio espaço escolhido para divulgar as ações de Wakanda, durante uma conferência da ONU, mostra o conservadorismo da proposta e a busca de uma conciliação com o imperialismo. Além disso, a própria construção da representação da revolução de Killmonger, que se confunde com uma vingança pessoal, baseada na raiva, mostra uma compreensão equivocada do que possa ser uma radical transformação social.

Em qualquer dos projetos apresentados no filme, os trabalhadores, fossem os de Wakanda ou de qualquer outra parte do mundo, não foram convidados a participar.

 

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