O filme Segunda Intenções, lançado há vinte anos, foi uma das mais recentes entre as numerosas adaptações do romance As Ligações Perigosas, de Choderlos de Laclos, listado facilmente em entre as dez mais importantes adaptações literárias no cinema. No centro do filme estão o jovem conquistador Sebastian Valmont e sua irmã de criação, Kathryn Merteuil. O livro, um romance epistolar do século XVIII, também foi adaptado para o cinema por diretores como Roger Vadim, em 1959, e Milos Forman, em 1989.
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Segunda Intenções, lançado em 1999, ainda que seja uma adaptação contemporânea da história clássica, parece carregar o conservadorismo do romance de 1782. Sebastian (Ryan Phillippe,) tem a fama de sedutor e se esforça para manter essa reputação, enquanto Kathryn (Sarah Michelle Gellar), ainda que tenha um comportamento igual, mantém a aparência de uma jovem comportada. O que move a narrativa do filme é uma aposta entre eles, em que Sebastian deve seduzir a jovem Annette (Reese Witherspoon), filha do novo diretor da escola onde estudam. A jovem tinha se tornado notícia por sua decisão de se manter virgem até encontrar seu verdadeiro amor. Conforme combinado na aposta, caso Sebastian não conseguisse fazer sexo com Annette, seu carro passaria a ser de Kathryn. Por outro lado, caso conseguisse tirar a virgindade de Annette, Sebastian poderia fazer sexo com a irmã de criação.
Como seria de se esperar, Sebastian se apaixonou por Annette. Na parte final do filme, embora venha a se arrepender pelo comportamento que teve durante anos, acaba sendo punido, como na história original. Contudo, diferente de Kathryn, que vê sua reputação sendo manchada ao ter suas maquinações descobertas, Sebastian acaba conseguindo sua redenção.
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Neste aspecto se mostra o conservadorismo das representações sobre sexualidade que estão apresentadas no filme. Os dois protagonistas possuem um comportamento sexual livre, se utilizando disso para manipular e humilhar pessoas. Contudo, seguindo aspectos da história original, o filme trabalha com uma construção narrativa em que Kathryn é uma figura infeliz que utiliza de crueldade e manipulação, tendo como vítima não apenas Annette, mas seu própria irmão de criação. O que se tem ao final é um Sebastian redimido, como se houvesse escondido dentro dele uma bondade reprimida, e uma cruel Kathryn merecidamente desmascarada e humilhada.
O filme é uma adaptação bastante leve da obra clássica, optando, entre outras coisas, por transformar o estupro de Cecile (cuja mãe tentava atrapalhar as investidas de Sebastian em relação a Annette) numa cena de sedução. Claro que a nova representação, mesmo amenizando o ato, não deixa de se mostrar como uma canalhice de Sebastian. Além disso, também como a deixar um tom mais leve, ainda que se fale no assunto ao longo de todo o filme, não há nenhuma cena explícita de nudez e sexo.
O filme tem um roteiro e uma direção bastante simples, linear e sem grandes experimentos, com explicações bastante longas sobre tudo o que acontece, como se quisessem transpor para as telas o conteúdo das cartas do romance original. O grupo de atores é bastante limitado, com exceção de Sarah Michelle Gellar, que entrega uma Kathryn cínica e que se esforça para se manter forte diante do mundo.
A mensagem que fica ao final é de que o rapaz “galinha”, caso se arrependa, poderá ser redimido. Quanto à garota, permanecerá com o estigma de “vadia” independente das escolhas que faça em seu futuro. Não há redenção para Kathryn, representada do começo ao fim como um monstro pervertido, condenada pelo moralismo da sociedade burguesa. A mensagem é a de que cabe às mulheres se comportar dentro de certos padrões sociais, caso não queiram sujar sua imagem diante da sociedade. Kathryn, ao final, não é condenada pelo mal que fez às pessoas, mas pelo seu comportamento sexual livre e independente.
Nota: 6