Embora os super-heróis sejam personagens de produções audiovisuais há décadas, apenas recentemente se tornaram um dos principais produtos comerciais da indústria de entretenimento. Com essa filmografia chegou um conjunto de ações publicitárias que fazem com que, além de assistir aos filmes, os consumidores adquiram também roupas, brinquedos e todo tipo de produtos vendáveis. Os super-heróis estão presentes no cotidiano das pessoas, inclusive daqueles que não possuem interesse em suas histórias ou não querem consumir esses produtos.
Essa influência também afeta o imaginário das pessoas, que, em sua admiração por esses super-heróis, ignoram ou minimizam certas ações desses personagens ou mesmo o contexto político e social em que suas histórias estão inseridas. Para a maioria dos espectadores desses filmes pouco importa se os super-heróis são ricos exploradores de trabalhadores ou operários na luta contra a opressão a que estão submetidos. Por isso, para os consumidores desses produtos, pouco importa se Bruce Wayne é um burguês cuja empresa possui subsidiárias que produzem armas de guerra. Não importa também se esses super-heróis são uma representação do imperialismo, agindo como uma poderosa milícia internacional, como ocorre no caso do segundo filme dos Vingadores. Além disso, em Pantera Negra, o encantamento provocado pela cultura de Wakanda esconde o caráter reacionário da monarquia que governa o país.
Essa relação de fetichismo que se constrói com os ídolos fictícios não é fortuita, afinal, quando se assiste a essas histórias, são apresentadas vilões que trazem grandes ameaças à humanidade e, por isso, cabe aos super-heróis fazer qualquer coisa para impedir que o mundo acabe ou que as pessoas sofram as consequências do iminente perigo. Não importam as vidas que são perdidas diante das batalhas mostradas em Vingadores no meio de grandes metrópoles ou em uma fictícia república na Ásia. Além disso, é irrelevante se esses super-heróis matam pessoas que são apresentadas como bandidos, como o faz Batman contra Ra’s Al Ghul, em Batman Begins. Por isso também não se dá importância ao fato de que esses personagens no geral agem contra as leis instituídas, colocando suas decisões acima de qualquer interesse social. O exemplo mais claro foi o grupo de super-heróis que se recusou a assinar o Acordo de Sokovia, em Guerra civil.
Nesses filmes, os trabalhadores nunca são apresentados como agentes sociais de transformação. Trata-se somente de uma população genérica, apresentada como se não houvesses classes sociais, que se mantém passiva diante das ameaças apresentadas e esperam que seus super-heróis favoritos venham salvá-lo. Nesses filmes é bastante comum que pessoas não-identificadas sejam entrevistadas pela imprensa depois de derrotada a ameaça, exaltando as ações dos super-heróis. Constrói-se assim uma narrativa dentro de outra narrativa, com vistas a exaltar a imagem daqueles super-heróis. Essa questão não passou despercebida no filme Logan, onde um aposentando Wolverine não esconde das novas gerações que as histórias contadas não passavam de invenção, inclusive aquelas dos quadrinhos.
São raras as vezes em que se veem os trabalhadores como agentes sociais ou mesmo agindo como sujeito político. No filme Cavaleiro das trevas ressurge, depois de derrotar e exilar o Batman, um perigoso vilão toma Gotham City e dirige algo que em certo momento do filme chega a ser chamado de “revolução”. Em realidade o movimento não passa de uma rebelião encabeçada por mercenários, reunindo um exército de bandidos das mais variadas origens, que deixam os trabalhadores acuados, optando por permanecerem trancados em suas casas. Na última parte do filme há uma briga de rua entre os “revolucionários” e a polícia, e a população somente vai para a rua depois de passado o perigo. No final do filme, além da exaltação da figura do Batman, fica a mensagem de que tentativas de transformação social são na verdade ações de bandidos e que somente as forças da repressão, principalmente os policiais que se mantém incorruptíveis, podem manter a ordem.
Mesmo quando os super-heróis não são ricos empresários ou monarcas esclarecidos, mas trabalhadores, a questão estratégica se mostra limitada. Um exemplo pode ser visto entre os mutantes do cinema, que, a despeito de serem uma clara metáfora das formas de preconceito que permeiam a sociedade, não buscam a unidade com os trabalhadores para lutar contra os interesses empresariais e estatais que os marginalizam como se fossem um grupo especial ou usam a genética mutante na criação de armas. Pelo contrário, nesses filmes os trabalhadores são uma mera massa sem identidade que corre para longe do perigo ou serve apenas para serem salvos pelos super-heróis.
Os super-heróis encarnam uma esperança fictícia, onde seres de diversas naturezas e com características especiais poderiam solucionar todos os problemas enfrentados no cotidiano e trazer a almejada felicidade. Essa é a ilusão que o conjunto de obras audiovisuais traz, ou seja, propagam a ideia de que as pessoas devem se manter passivas diante de ameaças cotidianas, em que poderosos seres podem salvá-las e garantir a continuidade do mundo. Na vida real, é comum que esse espaço de esperança seja ocupado por figuras políticas messiânicas. Os subversivos da ordem, encarnados nos vilões, devem ser combatidos por um seleto grupo de seres especiais, os super-heróis, que garantirão a continuidade da normalidade. Nessa propaganda messiânica, os super-heróis não trazem a revolução, mas somente a manutenção da ordem.