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Neil Gaiman tem sido uma companhia constante minha desde que descobri Sandman e seus livros. Sua influência pelo mundo o tornou um grande sinônimo de literatura e sucesso, virando uma espécie de artista que alcança um raro posto de popularidade e credibilidade difícil de ser batido ou mudar. Tudo mudou hoje quando a Vulture detalhou denúncias de violência sexual que já vinham sido citadas mas de formas vagas há meses. Usar palavras como estupro, agressão e violência pode não ser o bastante para dar uma dimensão da trama envolvendo o escritor, sua ex-esposa Amanda Palmer e fãs cujo grande erro parece ter sido chegarem perto demais do ídolo.
Alerta de gatilho envolvendo estupro, agressão e violência sexual.
O que aconteceu com Neil Gaiman? E o que ele fez?
Por enquanto, o escritor continua sem responder nenhuma acusação a não ser através de seus advogados. Mas é a segunda pergunta que gera mais estupefação. De acordo com a Vulture, mulheres que conheceram Gaiman como escritor ou até como vizinho repetiram o mesmo modus operandi de um estuprador que entrou em suas vidas quase como amigo, usou a proximidade para se aproveitar (e aqui leia-se por ‘aproveitar’ o verbo ‘estuprar’) mais de uma vez e, por diferentes motivos, soube tirar vantagem de fragilidades físicas, financeiras e emocionais para que não o denunciassem. Tudo isso com um retrato psicológico de um artista com traumas de infância e que usou seu poder financeiro para seguir abusando. Excetuando as que preferem seguir sem se identificar, algumas tem nome e sobrenome: Scarlett Pavlovich tinha cerca de vinte anos em 22 quando houve o primeiro abuso do escritor então com 61 anos, Kendra Stout era uma jovem de 18 na primeira vez que Gaiman a submeteu a sexo violento e doloroso sem que ela consentisse claramente isso e Caroline Wallner, que viveu na propriedade de Gaiman com suas três filhas e marido até 2017 quando se divorciou e viu o seu locatário famoso ultrapassar limites além da porta de casa.
Pareceria difícil de acreditar que aquele escritor gentil nas redes sociais seria capaz de violentar mulheres ao lado de seu filho, ainda criança. Mas todas as vítimas denunciaram o autor em diferentes lugares e momentos quando não se conheciam. Gaiman alega que tudo foi consentido apesar da diferença de idade e a natureza do esclarecimento para sexo BDSM indicar outra coisa. Qualquer especialista no tema vai confirmar que confiança e consentimento são essencias assim como é uma obviedade que é fácil usar mal entendidos para ultrapassar essas necessidades.
Especialmente, se o agressor está numa posição de poder e/ou de idolatria. Gaiman tinha as duas na maioria dos casos.
Como Amanda Palmer esta implicada?
Companheira de Gaiman por anos, Amanda apresentou Pavlovich para Gaiman com uma recomendação direta a ele que não se envolvesse com ela. Embora os dois tivessem um relacionamento aberto, os “avisos” da esposa para o marido são recorrentes na relação e mostram mais cumplicidade do que culpa. Pavlovich, por exemplo, era uma fã de Palmer como cantora e influencer de crowdfunding quando a artista a pediu que lhe ajudasse como babá. Ela também foi a primeira a ouvir algumas denúncias e nunca procurou as autoridades ou parece ter providenciado mais do que garantir que as envolvidas recebessem dinheiro de seu agressor. Parece um retrato bem triste de uma relação que acabou em meio a pandemia de covid-19 com uma criança sob a guarda de ambos.
Lila Shapiro, reporter que redigiu a impressionante reportagem, traça um triste mas preciso comparativo entre Gaiman e Richard Madoc, personagem principal da história Calliope, que foi adaptada para a série da Netflix. Na verdade, este detalhe foi apontado por fãs quando os casos surgiram e houve a busca pelo que o autor escrevia ou escreveu. Com uma exceção, uma alegação de beijo forçado de 1986, quando Gaiman estava na casa dos 20 anos, as histórias acontecem quando Gaiman estava na casa dos 40 anos ou mais, um período em que ele viveu entre os EUA, o Reino Unido e a Nova Zelândia.
Tanto Neil Gaiman quanto Amanda Palmer se recusaram a comentar o caso. A reportagem termina com a informação de que as vítimas se conheceram pessoalmente para lidar melhor a respeito com os abusos.