Infelizmente, durante anos, assim como achavam que histórias em quadrinhos seriam coisas de crianças, também se achavam que apenas meninos liam esse material. Principalmente pelo fato de a partir dos anos 40 esse material ficar mais conhecido pelas revistas de super-heróis dos Estados Unidos, que em sua maioria absoluta tinham homens como protagonistas. Hoje, o que se sabe sobre o público leitor de quadrinhos daquela época é que era bem dividido entre meninos e meninas. Mas com o passar dos anos, o público feminino foi caindo, só voltando a aumentar no final do século XX.
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Nos livros que contam a trajetória das histórias em quadrinhos, normalmente as mulheres que trabalharam nessa indústria também são invisibilizadas. Apenas a partir dos anos 70, principalmente com o trabalho da quadrinista e pesquisadora Trina Robbins, muitas dessas mulheres foram (re)descobertas. Várias delas trabalhavam como editoras, arte finalistas, coloristas, letristas, mas sequer eram creditadas nas revistas. Já as roteiristas e desenhistas, muitas vezes optavam por pseudônimos ou nomes masculinos.
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Viver de arte sempre foi muito difícil. Mas mulheres fazerem isso quase sempre é muito pior pois muitas vezes a elas ficam(vam) designadas as funções domésticas e de cuidar dos filhos e mesmo aquelas que não constituíram famílias, têm no machismo seus maiores entraves com menos espaço no mercado de arte, menos chances de mostrarem seus trabalhos etc.
Por isso, durante muitos anos ficou a dúvida se mulheres consomem e produzem quadrinhos. E isso não apenas nos Estados Unidos, mas aqui no Brasil também. Mesmo com um mercado bem menor comparado com os Estados Unidos, Europa e até Argentina, sabemos hoje que existiram no Brasil quadrinistas mulheres desde o início do século XX mas que também foram invisibilizadas.
Com pesquisas mais recentes, verificou-se que o público feminino de quadrinhos é quase igual ao masculino no Brasil, principalmente por conta dos mangás, das graphic novel e quadrinhos autorais. Muito por conta dessa discussão, por mulheres não se verem representadas em eventos de quadrinhos e cultura Pop, mesmo existindo centenas delas trabalhando nessa área, seja criando seus quadrinhos, editando, pesquisando ou falando sobre, é que surge o livro Mulheres & Quadrinhos, organizado pelas pesquisadoras Daniela Marino e Laluña Machado, lançado pela Skript Editora durante a Comic Con Experience de 2019.
Neste livro, com cerca de 500 páginas, aparecem amostras de trabalhos de mais de 120 mulheres de todo o Brasil, em toda a sua diversidade, de todas as regiões, de várias etnias, orientações e identidades sexuais, na forma de ilustrações, séries de tiras, entrevistas e trechos de artigos acadêmicos, mostrando que mulheres fazem sim quadrinhos no Brasil, pesquisam quadrinhos e falam sobre eles.
De forma a viabilizar o lançamento do livro, os artigos acadêmicos foram “enxugados” para a publicação original. Porém, logo no começo da pandemia no Brasil, a editora disponibilizou o e-book Mulheres & Quadrinhos: Universidade.
Gratuito, com o texto integral de alguns dos artigos acadêmicos selecionados para o livro original, além de outros que não entraram na seleção final da versão impressa, que pode ser conferido aqui. O livro original com as amostras de trabalhos das mais de 120 mulheres pode ser encontrado nas principais lojas de quadrinhos e lojas virtuais de livros.