Encontrei Lila pela última vez cinco anos trás, no inverno de 2005. Estávamos passeando de manhã cedo pelo estradão e, como há anos vinha acontecendo, não conseguíamos nos sentir à vontade. Lembro que apenas eu falava; ela cantarolava, cumprimentava gente que nem respondia, e nas raras vezes que me interrompia só pronunciava frases exclamativas, sem um nexo evidente com o que eu dizia. Ao longo dos anos, muita coisa ruim tinha ocorrido, algumas horríveis, e para retomar a via da intimidade teríamos de nos fazer confidências secretas, mas eu não tinha a força para encontrar as palavras, e ela – a quem talvez não faltasse força – não tinha a vontade, nem via utilidade nisso.
SPOILER FREE
Terceiro livro da Série Napolitana de Elena Ferrante, a História de quem foge e de quem fica traz a vida de Lenú e Lila já na fase adulta, onde os dramas adolescentes dão lugar a problemas maiores, como o matrimônio, a maternidade, o mercado de trabalho e os dramas políticos da época.
Eu confesso que tenho uma certa dificuldade de lembrar exatamente onde cada livro começa e termina, pois a linha histórica e a estrutura narrativa são muito consistentes. Parte dessa sensação pode ser por conta do fato de eu ter lido os livros um em seguida do outro, mas prefiro colocar na conta da qualidade e consistência do trabalho da autora. E eu sinceramente me sinto feliz de ter lido os livros assim, não sei se conseguiria esperar entre um lançamento e outro, nem se conseguiria aproveitar tão bem a leitura sem ter diversos detalhes ainda frescos na memória. E a memória é importante numa narrativa que se presta a narrar mais de meio século de vivências.
Uma discussão que tenho visto com frequência é o questionamento de quanto do livro é autobiográfico ou não, o que é compreensível, pois o realismo no texto é realmente impressionante. Mas, sinceramente, isso não me interessa, pois não é relevante diante da qualidade literária de Ferrante e dos temas que ela trata. E apesar dessa teoria ser enormemente alimentada pelo fato da escritora publicar sob pseudônimo, fico me perguntando o porquê desse tipo de questionamento. Só porque é muito realista a autora não teria capacidade de ter escrito de forma ficcional? Acho isso intrigante.
De toda forma, esse é o volume mais voltado para a narradora, e, portanto, o que mais parece autobiográfico, e o que traz de forma mais intensa os sentimentos e questionamentos internos de uma escritora que pensa sobre o feminismo nas décadas de 60, 70 e 80. Só isso já é razão suficiente para ler o livro.
Nota 10.