O conjunto de representações sobre o amadurecimento físico e psicológico das mulheres mostrados no cinema de horror carrega um forte tom de conservadorismo. Resultado disso, como se trata de uma cinematografia em que muitas das narrativas estão centradas no comportamento de jovens, é o fato de que a puberdade é representada como uma expressão de monstruosidade. É comum que nessas narrativas o amadurecimento dos jovens seja mostrado associado a se tornar, literalmente, um monstro, em especial devido ao desenvolvimento da sexualidade, que seria a principal causa de descontrole.
O filme Ginger Snaps (2000), traduzido no Brasil para “Possuída” (seria possível traduzir como “As Dentadas de Ginger” ou então “Ginger Morde”), é uma mostra dessa representação conservadora da juventude. O filme é centrado na história das irmãs Ginger e Brigitte, mostrando sua vida na escola, onde são bastante deslocadas em relação aos colegas, e na família. Elas têm um comportamento bastante mórbido, tendo inclusive feito um pacto de morrerem juntas. Numa noite as duas irmãs são surpreendidas por um lobisomem, que acaba atacando Ginger. Enquanto Brigitte faz de tudo para conseguir curar a irmã, Ginger começa a se transformar em uma fera.
O ataque acaba sendo apresentado em sua associação com sangue, afinal a criatura teria sido atraída pelo cheiro da menstruação de Ginger. A transformação pela qual passa é também a do desabrochar de sua sexualidade, associado à transformação de seu corpo e, também, à mudança de comportamento em relação aos colegas e inclusive em relação à sua irmã. Em certa medida, Ginger rompe com o círculo afetivo familiar e, por meio das mudanças físicas e comportamentais, se aventura no mundo.
Isso se mostra, por exemplo, em sua mudança de visual, passando a usar roupas que exibem o corpo. Ou então a procurar amizades ou mesmo relacionamentos fora do círculo restrito da irmã. Contudo, ao mesmo tempo, as mudanças físicas vão ficando mais evidentes, não se limitando a apenas o nascimento de pelos, mas também o crescimento das unhas e dos dentes e mesmo de um rabo em suas costas. Essa mudança também se expressa no humor de Ginger, que passa a estar quase sempre irritada ou incomodada com o que quer que seja.
Ginger acaba também tendo sua primeira relação sexual, que se torna uma questão importante do ponto de vista da metáfora na narrativa do filme. O sexo, feito sem proteção, faz com que a infecção de Ginger passe para a pessoa com quem manteve a relação sexual. O próprio ato sexual é, por assim dizer, apresentado como algo um tanto quanto violento, animalesco, como a representar a sexualidade juvenil como algo fora de controle.
O sangue também ganha importância em outro aspecto, na medida em que se mostra como uma forma de contágio em Ginger Snaps. Por meio dele que a doença também se espalha. Como um desdobramento do pacto entre as duas irmãs, Brigitte coloca seu sangue em contato com Ginger, se contaminando. Isso faz com que Brigitte também passe pelo mesmo processo de transformação, que foi mostrado em um segundo filme.
Na dinâmica entre as duas irmãs, o principal é como a transformação física e mental de Ginger a faz se afastar de Brigitte. Esta, por sua vez, se lança de forma desesperada em busca de uma cura para a irmã. Contudo, com o avanço da transformação de Ginger, esta fica incontrolável e, no clímax do filme, ela se torna fisicamente um animal que parece completamente dominado por instintos.
A solução encontrada para a narrativa é conservadora: o retorno para a família. Brigitte, que mesmo diante do afastamento da irmã se manteve leal a Ginger, acaba arriscando a própria vida para tentar salvar a irmã. Simbolicamente, Ginger morre nos braços da irmã, ou seja, no conforto do retorno ao lar (sentimental e fisicamente falando). Portanto, além de mostrar uma narrativa conservadora no sentido de associar a sexualidade a um comportamento monstruoso, o filme também faz uma defesa da família como lugar seguro e estável para os jovens que se perdem.
O filme, apesar de ser uma produção barata, mostra-se bastante bem realizado e, a despeito do conservadorismo, tem um roteiro bem elaborado. O filme é o primeiro de uma trilogia centrado nas duas irmãs. Possivelmente foi o primeiro papel de destaque de Katharine Isabelle (ela viria a se tornar uma atriz de destaque no cinema de horror) que, ao lado de Emily Perkins, constrói uma excelente dinâmica entre as duas irmãs. Realizado no Canadá, o filme é um exemplo de uma das mais criativas e profícuas cinematografias de horror.
Nota: 8