Depois de tanta espera, e alguns reagendamentos, finalmente pudemos conferir Ganhar ou Perder (Win or Lose), primeira série original da Pixar. A estreia ocorreu em 19 de fevereiro no Disney+, com dois episódios liberados toda quarta-feira até 12 de março. A produção foi causa de polêmicas decepcionantes antes mesmo da estreia por conta da decisão de executivos de alterar uma personagem trans para cis. Mas é preciso dizer que mesmo com esse fato brutal, é boa de assistir.
A minissérie mostra as angústias e pressões que atordoam os integrantes de um time adolescente de softbol, os Pickles, e pessoas próximas a eles. Com cada um dos oito episódios focados em um personagem, conseguimos entender suas escolhas e anseios. Além disso, as histórias se complementam. Por vezes mudando nossa opinião sobre atitudes antes vistas por outra perspectiva.
Um exemplo disso é a dupla Rochelle (Milan Elizabeth Ray) e Vanessa (Rosa Salazar), filha e mãe que protagonizam respectivamente os episódios 1×03 Raspberry e 1×04 Pickle. Enquanto o primeiro nos deixa com a sensação de que Rochelle precisa ser a adulta da casa porque sua mãe é uma desmiolada, o segundo nos mostra como Vanessa é uma mãe solo amorosa que quer dar um jeito em tudo. E que acabam sendo dois dos melhores episódios.
Outro atrativo de Ganhar ou Perder é que cada episódio é um mundo a parte. É que em cada um há elementos que ressaltam a personalidade de cada personagem. Seja um amigo imaginário desmotivacional ou um universo interior de papel. Todos fazendo rir e emocionando. E todos se encontram no último episódio, que é também onde todas as histórias encontram seu grande desfecho.
Mas precisamos falar do elefante na sala. Já falei sobre isso aqui, mas só pra recapitular, em dezembro de 2024 foi revelado que Ganhar ou Perder deixaria de ter uma personagem trans. Bem, Kai (Chanel Stewart) continua na animação, só que como uma menina cis. E uma cena que a mostrava em dúvida sobre qual banheiro usar foi excluída, mas, como sempre, vazou na internet.
Isso é tão, mas tão errado! A Disney veio com aquela velha desculpa: “Quando se trata de conteúdo animado voltado para o público infantil, reconhecemos que muitos pais preferem abordar certos assuntos com seus filhos de acordo com seu próprio tempo e contexto.” Tempo e contexto que geralmente significam nunca. Muitos pais não falam com seus filhos nem sobre pessoas com deficiência (acreditem, eu sei disso), quem dirá sobre transexualidade que carrega vários estigmas.
Essas pessoas precisam ser ouvidas e se sentirem representadas, isso salva vidas. É uma oportunidade gigante que o estúdio está perdendo por causa de um pensamento retrógrado e idiota. Além do mais, Chanel Stewart é uma atriz trans e agora sua voz está em uma personagem que não a representa.
O curioso é que Ganhar ou Perder é por si só um aceno a diversidade em várias frentes. Com personagens de diversas etnias, uma personagem cadeirante e, sim, personagens gays. E como a série já estava praticamente pronta, as alterações feitas para esconder a transição de gênero de Kai não funcionaram bem. Digo, acrescentar brincos numa foto antiga da personagem com vestes masculinas não foi eficaz em esconder a transição de gênero. Sem falar na sua mudança de visual e uma conversa com o pai, da qual só ouvimos a resposta dele, que definitivamente não é sobre trocar beisebol por softbol. Só sendo muito tapado para não perceber.
Também é curioso que sempre aleguem que transexualidade e assuntos LGBTQI+ de modo geral não sejam para crianças. Exceto que estes provavelmente seriam muito mais proveitosos para este público do que outros que continuaram na trama. Como, por exemplo, as desventuras amorosas de um professor.
Junto com os episódios finais foi lançado o documentário Conheça os Pickles, contendo entrevistas com a equipe responsável pela animação. É interessante ver como foram tomadas as decisões que resultaram no produto final. Embora, obviamente, nada seja dito sobre a personagem trans que se tornou cis.
Ganhar ou Perder foi criada e escrita por Carrie Hobson e Michael Yates, que também foram produtores-executivos ao lado de David Lally, Pete Docter, Andrew Stanton e Lindsey Collins. É gostosa de assistir e traz bons momentos, apesar de ter mais uma pisada na bola da Disney.
Nota: 8
Confira o trailer:
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