No final de Zona de Interesse (2023), a família de Rudolf Höss (Christian Friedel), comandante de Auschwitz, continua sua vida cotidiana tranquilamente ao lado do campo de concentração. A esposa de Höss cuida da casa e dos jardins, enquanto os filhos brincam, alheios ao genocídio acontecendo a poucos metros dali. O contraste entre a normalidade de suas atividades e o horror do campo ao fundo é evidente. Mas o que isto significa?
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Lembre-se da primeira cena e do final: Zona de Interesse começa e termina com uma tela preta acompanhada de uma música orquestral atmosférica que lembra os sons inquietantes de máquinas de tortura. O final começa a se desenvolver quando o nazista condecorado e membro da SS recebe uma tarefa que o levará de volta a Auschwitz, onde havia sido inicialmente um comandante. Isso deixa sua esposa Hedwig (Sandra Hüller) preocupada em deixar a luxuosa casa que ela e os cinco filhos de Rudolf então viviam, bem ao lado do campo de concentração. Höss está pronto para retornar a Auschwitz e continuar os planos de desenvolvimento para câmaras de gás a serem implementadas para as centenas de milhares de judeus húngaros que estão sendo enviados para lá.
Essa sequencia mostra a família desfrutando de conforto e bem-estar, sem qualquer menção ou sinal de culpa pelos crimes acontecendo ao lado. A escolha do diretor Jonathan Glazer de não mostrar diretamente os horrores de Auschwitz, mas sim a vida dos perpetradores, sublinha essa indiferença moral e a banalização do mal.
Quando vemos o personagem principal, no que aparentemente é sua última noite em Berlim, descendo uma série de escadas após a festa e começar a vomitar incontrolavelmente , mas sem colocar nada para fora. Ele olha para o corredor escuro e o filme salta no tempo para os dias atuais, mostrando um serviço de limpeza aspirando o chão e limpando o vidro no Museu Estadual de Auschwitz-Birkenau, antigo prédio nazista. Voltamos para Höss, desce as escadas para a escuridão. O comandante pode estar doente pelo tempo em Auschwitz respirando o ar contaminado do local (ou seja, seus filhos e esposa podem padecer do mesmo mal). E, talvez, também uma auto-aversão pelo mal que ajuda a causar. Como se o que resta da humanidade, regurgitasse com o que a mente nazista planeja. “Eu acho que é uma luta: corpo contra sua alma. Porque o corpo diz a verdade e nossa mente, podemos nos trair. Somos mestres do autoengano”, chegou a dizer Friedel em entrevistas sobre o filme.
Vale lembrar que esta ação não insinua nenhum remorso nazista, mas sim que mesmo o personagem tem, em algum lugar de si, a noção que pretende ajudar a criar algo hediondo e que até seu corpo rejeita o que sua alma planeja. Ou seja, a frieza com que a família Höss vive sua vida simboliza a indiferença de muitos diante de crimes em larga escala, tornando o filme um reflexo perturbador sobre a normalização do mal. As imagens do museu no tempo presente confirmam que os nazistas falharam em deixar sua imagem de futuro ao mundo e exterminar o povo judeu.
Confira o trailer de Zona de Interesse: