‘Biônicos’ podia ser ótimo, mas errou feio

Ficção científica nacional pesa a mão nas discussões morais

Em 29/05, chegou na Netflix o filme Biônicos, do cineasta Afonso Poyart. Essa ficção científica ambientada em uma São Paulo futurista veio com promessa de muita ação e reflexões morais, mas não sei se acertou o alvo pretendido.

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Maria (Jéssica Córes) era uma promessa do salto em distância que seguiria os passos da mãe. Mas a evolução das próteses biônicas fez com os paratletas superassem os atletas sem deficiência, tornando-os as novas estrelas do esporte. Para se igualar a irmã Gabi (Gabz), uma atleta biônica recordista, ela se alia a Heitor (Bruno Gagliasso) e entra para o mundo do crime.

Biônicos é a conclusão de um projeto que começou em 2020 com o curta Protesys, um misto de documentário e ficção estrelado por Cauã Reymond e Flávio Reitz. O curta começa com o ator e o paratleta conversando, como se o segundo estivesse preparando o primeiro para interpretá-lo num filme. Mas aí vem a parte de ficção, onde Reitz é convidado para testar próteses biônicas de uma start-up americana chamada SOLIDLIMBS. Mesma fabricante das próteses de Biônicos.

Voltando ao filme da Netflix, ele poderia mostrar um futuro de equidade. Porém, Poyart escolheu uma abordagem distópica pessimista da fonte de Black Mirror. Algo do tipo “vamos tomar cuidado com o uso das tecnologias que criamos”. Em entrevista à CNN Brasil o cineasta revelou que a ideia surgiu de uma história real, do ex-atleta paralímpico sul-africano Oscar Pistorius que tem próteses nas duas pernas. E se criou uma polêmica ao redor dele pois as próteses o fizeram ter uma performance melhor que os atletas comuns. Nota-se o paralelo.

Só que quando você transforma isso em um thriller distópico de prevenção ao uso da tecnologia fica parecendo que a mensagem é “não invistam demais no desenvolvimento de próteses”. Sendo que a abordagem do filme faz parecer que próteses biônicas são só para atletas, não para trazer acessibilidade às pessoas com deficiência no dia-a-dia.

Outro fator incõmodo que chega a ser um tanto insensível é usar essa possibilidade das paralimpíadas se tornarem um evento mais badalado que as olimpíadas convencionais como motivadora para pessoas amputarem membros propositalmente. Além de ignorar todos os paratletas que não são amputados e não se beneficiariam de membros biônicos (cadeirantes, por exemplo), ignora que tais cenas podem servir de gatinho para pessoas com Transtorno de Identidade de Integridade Corporal (TIIC). Trata-se de um transtorno pouco conhecido e estudado, em que a pessoa acredita que deveria ter nascido com deficiência. Imagina o efeito de um filme desse para essas pessoas? Sem falar que a extrema-direita já vem usando esse transtorno (com uma abordagem bastante capacitista) para desmoralizar pessoas transgênero.

E apesar de Biônicos ter um elenco maravilhoso e extremamente competente, não possui nenhum ator ou atriz amputado no elenco principal. Em entrevista ao Omelete Poyart se justificou dizendo que devido às limitações físicas das pessoas com deficiência não pode colocá-las nos papéis principais que exigiam muitas cenas de ação: “Agora, o filme ele é uma distopia, né? A gente tentou ir para um caminho que imagina essas próteses criando superpoderes, então não, a gente não tem essa, uma simetria com a realidade dos PCD, de hoje”. Mas que envolveu o máximo possível de profissionais com deficiência, na consultoria e na figuração de três cenas importantes. Só que ficou faltando esse detalhe no protagonismo.

Porém, o elenco realmente brilha. Jéssica e Gabz exalam talento, tanto na ação quanto nos diálogos dramáticos. Só é uma pena que não houve tempo suficiente para explorar o conflito entre as irmãs, e muito menos com o irmão mais novo Gus (Christian Malheiros). Gagliasso também se destaca como vilão, embora o personagem seja um tanto bidimensional ele compensa com atuação o que falta no texto. O elenco também conta com nomes como Nill Marcondes, Guta Ruiz, Paulo Vilhena e Miguel Falabella. Junto com os efeitos visuais, o elenco é o que traz brilho ao filme.

Biônicos foi dirigido por Poyart e escrito por ele junto com Josefina Trotta, Victor Navas e Cris Cera.

Nota: 6

Confira o trailer:

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