‘Bacurau’ é a alegoria dos tempos que vivemos

Kleber Mendonça Filho é um dos maiores cineastas brasileiros de sua geração. Tanto “cineasta” quanto “brasileiro” não devem vir dissociados porque, embora seja um ótimo diretor sob qualquer aspecto cinematográfico, é na sua busca por histórias brasileiros que está sua maior virtude. Bacurau, filme que dirige com Juliano Dornelles, é mais uma prova dessa vitalidade, seguindo um caminho completamente diferente de Aquarius, mas explorando novamente uma alegoria de tudo de bom e ruim que o Brasil tem. Estrelando Sonia Braga, personificação do cinema brasileiro.

Pouco após a morte de dona Carmelita, aos 94 anos, os moradores do pequeno povoado  Bacurau, descobrem que a comunidade não consta mais em qualquer mapa. Aos poucos, percebem algo estranho na região: com a presença de estrangeiros, que chegam à cidade pela primeira vez. Quando carros se tornam vítimas de tiros e cadáveres começam a aparecer, Teresa (Bárbara Colen), Domingas (Sônia Braga), Acácio (Thomas Aquino), Plínio (Wilson Rabelo), Lunga (Silvero Pereira) e outros moradores percebem que estão sendo atacados.

Assisti Bacurau no mesmo dia  que a Polícia Militar se envolveu na morte de um pedreiro, em uma favela carioca. É impossível dissociar a violência do Estado na vida real, com a violência contra brasileiros que o filme retrata. É uma alegoria do nosso sentimento nos dias de hoje em que somos oprimidos pelos opressores e por aqueles que se acham opressores.

No cinema brasileiro, é difícil não fazer um paralelo também com outra produção sobre violência. Há quase uma década, Tropa de Elite surpreendeu a todos e causou comoção e um turbilhão de imagens, exploração de suas frases e, por fim, a conversão da violência como um meme. A violência do asfalto resolvida no saco de plástico do Capitão Nascimento e a corrupção no soco do policial incorruptível do cinema. E aqui estamos em um filme em que a vida vale pouco, mas a câmera muda de lado.

Bacurau não é um filme sobre os bandidos (sob qualquer ótica do que o termo defina) como Cidade de Deus. Mas também não é um enredo sobre os dramas das autoridades do Estado e sim os flagelados que sobrevivem não apenas a sua ausência, mas também contra sua concessão para serem mortos gratuitamente. É uma evocação do destino manifesto de que talvez sejamos os únicos que possamos nos defender em tempos tão violentos.

“Estamos sob efeitos de psicotrópicos. E agora você vai morrer”, sentencia um dos personagens da produção.  São as profecias e os mitos que circulam em Bacurau, induzindo o espectador a um final fatídico e subvertendo sua expectativa com os próprios personagens. Afinal, “quem nasce em Bacurau é o quê?”

O ótimo roteiro e direção parece despreocupado em definir protagonistas. Ora, Pacote, ora Tereza, Ora Lunga, ora Domingas… Afinal, se são todos não é nenhum. Fica indefinido se esta é a intenção do diretor ou um problema que não foi resolvido em um universo com tantos personagens marcantes e atuações exuberantes, inclusive entre os vilões.

Em um dos cortejos fúnebres do filme, vemos uma chamada do nome dos que morreram, vítimas da violência de milícias, Estado ou sabe-se lá o quê. É valioso prestar atenção nos nomes, fazer um minuto por cada um deles e refletir. Se as nossas vidas valem tão pouco é porque a nossa luta não é suficiente. Então lute. Lute como Bacurau nos ensina a lutar e sobreviver.

Nota: 10

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EDITORIAL: Classe artística não precisa de paz, mas respeito
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