O novo e o velho conservadorismo no cinema de horror

A massificação dos filmes de horror foi um dos acontecimentos mais marcantes do cinema na década de 1970. O gênero, que vinha sendo produzido desde o começo do século XX, teve sua primeira grande bilheteria com o filme O exorcista (1973). Seguiram-se a esse filme obras que também obtiveram um grande público, como Carrie (1976), A Profecia (1976) e Horror em Amityville (1979). Embora em números absolutos a arrecadação em alguns casos não seja notável, quando comparados às maiores bilheterias da história do cinema, os filmes de horror ganham destaque quando se leva em conta que a maioria foi realizado com um baixo orçamento e, em muitos casos, de forma independente.

O cinema de horror ganhou uma maior projeção comercial ao longo dos anos 70, devido a filmes conhecidos como slasher, cuja fórmula foi repetida à exaustão nas décadas seguintes. Na narrativa dessas produções, com algumas pequenas variações, um perigoso assassino persegue e mata um grupo de jovens. O sucesso comercial obtido pelos filmes de horror levaria as produtoras a apostar em franquias com intermináveis sequências como O Massacre da Serra Elétrica (1974, que rendeu oito filmes), Halloween (1978, com dez filmes) e Sexta-feira 13 (1980, com doze filmes). Chegando até aos anos recentes, essas franquias acabaram completamente exauridas, tendo uma enorme quantidade de sequências que em sua maioria não são nada criativas.

Uma das características mais comuns dessa cinematografia produzida nos Estados Unidos é o conservadorismo. Especialmente quanto a questões morais, expressando-se principalmente em dois aspectos no que se refere às representações sobre família e mulher. Por um lado, em filmes como O exorcista e Carrie colocam-se em cena mães que criam sozinhas adolescentes que acabam enfrentando problemas, como se ao atribuir à desestruturação familiar os terrores pelos quais as jovens passam. No caso dos slasher, por outro lado, são apresentados dois tipos de personagens femininas no filme. Uma que se envolve em relações sexuais e outra que muitas vezes sequer manifesta qualquer interesse amoroso. No primeiro caso, a personagem é morta em uma cena associada ao ato sexual praticado por ela, como uma forma de punição. Na segunda, acaba sendo a última sobrevivente, que recebe como um tipo de presente por suas virtudes o direito de, em muitos casos, seguir viva.

Nos Estados Unidos, na década de 70, se percebe a propagação de forças políticas reacionárias, que impeliam setores crescente da sociedade a assumir posições abertamente conservadoras. Os conservadores constatam a existência de uma profunda crise política, que se expressa na crescente perda de legitimidade dos regimes democráticos, apontando também para a existência de uma crise moral e cultural. Em função disso, movimentos que apontavam para mudanças em questões culturais e comportamentais, como o feminista, eram combatidos pelos setores reacionários. No cinema e na televisão, mulheres solteiras, independentes e feministas eram representadas de forma negativa, para demonstrar que a revolução sexual não deu certo. Mulheres livres teriam se tornado infelizes.

Esse conservadorismo que permeava a sociedade estadunidense não foi superado no cinema de horror, como na insistente repetição da fórmula do slasher, mesmo em filmes mais recentes. Além disso, é comum que os filmes sobre possessão ainda estejam associados a famílias em crise ou mesmo desestruturadas. O próprio cinema viria a produzir problematizações sobre o esgotamento dessas narrativas, por meio da metalinguagem e utilizando em certa medida um tom cômico em franquias como Pânico e Todo mundo em pânico ou no filme Terror nos bastidores (2015). Contudo, talvez seja O segredo da cabana (2012), ao mostrar por dentro os mecanismos de construção do filme de horror, o melhor exemplo da tentativa de autorreflexão dessa cinematografia.

Só vale lembrar: essas reflexões do próprio gênero se devem muito mais ao esgotamento da narrativa e da linguagem dos filmes do que a uma tentativa de superação do seu conservadorismo. Um dos melhores filmes de horror realizado no período recente, o independente Corrente do mal (2014), que retoma de forma brilhante elementos estéticos e narrativos do que há de melhor no gênero, não escapa do conservadorismo. No filme, uma garota faz sexo com um rapaz que ainda não conhece muito bem e, em função disso, é perseguida por uma entidade que somente ela ou outras pessoas contaminadas enxergavam. Em certo momento do filme, em uma cena de sexo casual, passa a maldição para outra pessoa, que é morta pela entidade. Parece ser um recado aos jovens para que controlem os instintos sexuais que afloram nessa idade.

Outro filme recente que não rompe o conservadorismo das representações é o criativo A morte te dá parabéns (2017). Embora em termos de linguagem não apresente nenhuma grande novidade, possui uma narrativa envolvente, equilibrando de forma bastante competente suspense e humor. No filme narra-se um único dia que se repete numerosas vezes vivido pela protagonista, que ao final é sempre morta e, para piorar, vê seu corpo enfraquecendo cada vez que retorna. No final das contas, a protagonista, apresentada como egoísta e insensível, vive uma história de autodescoberta e redenção, como se passasse por aquela repetição do mesmo dia somente para que pudesse pedir perdão a todos que vinha magoando. O filme apresenta uma visão bastante estereotipada da juventude, como se essa fase da vida se resumisse a festas, sexo e drogas.

Outro exemplo dessa permanência do conservadorismo no horror é o angustiante filme Um monstro no caminho (2016), que, em uma narrativa bastante simples, une um comovente drama familiar com o medo extremo. No filme mostra-se a difícil relação de uma mãe alcoólatra com sua filha, que acaba assumindo, ainda criança, um papel de adulta, cuidando da casa e tentando fazer com que a mãe se recupera. Em uma viagem para a casa do pai, mãe e filha são interrompidas por um acidente que, posteriormente, descobrem ter sido causado por uma misteriosa e perigosa criatura. No final das contas, ao fazer o máximo possível para salvar sua filha, a mãe encontra a redenção para seus erros.

Apesar da manutenção do tom conservador em boa parte das produções recentes, tem sido possível observar alguns filmes que equilibram qualidades estéticas e a superação da visão conservadora. Um filme recente particularmente interessante é A bruxa (2015), que se passa no século XVII. O filme mostra uma família extremamente religiosa e supersticiosa, que começa a enfrentar fenômenos aparentemente paranormais. Na narrativa a ameaça é apenas sugerida e, embora sejam mostradas cenas que possam indicar a possibilidade de uma ameaça, não há nenhuma prova de bruxaria ou da ação de uma força sobrenatural. No filme, ao optar por centrar a narrativa no ponto de vista dos personagens, incorporando suas percepções, medos e até mesmo visões fantasiosas na construção do suspense, é desconstruído o discurso de bruxaria e mostrado como a representação das bruxas estaria associada à condenação por parte da sociedade ao comportamento considerado não convencional de uma parcela das mulheres no período.

Outros filmes que desconstroem o conservadorismo do gênero de horror que podem ser citados são Corra! (2017), onde um jovem negro viaja para conhecer a família de sua namorada branca, e Mãe (2017), onde a rotina de um casal é transformada com a chegada de vários misteriosos visitantes. O primeiro faz uma denúncia contundente ao racismo na sociedade estadunidense, problematizando as construções das representações acerca dos negros. O segundo, mesmo não sendo exatamente uma obra de horror, ainda que incorpore elementos de suspense, apresenta uma profunda e crítica metáfora sobre o cristianismo.

Não é possível identificar ainda os rumos que poderão ser tomados pelo cinema de horror nos próximos anos. Em âmbito estético parece haver a retomada de temas utilizados em outros momentos ou mesmo pela cinematografia de outros países, relembrando obras de diretores como John Carpenter e Dario Argento. Em âmbito político, não é possível saber se a atual tendência poderá render frutos ou se está limitada à conjuntura de crescimento de grupos abertamente de extrema direita e que conformam a base de sustentação social do governo Trump. Contudo, são possíveis pelo menos três constatações. Primeiro, que em âmbito estético há experiências que apontam para uma renovação na linguagem e na narrativa. Em segundo lugar, que existe um renovado interesse do público pelos filmes de horror e que parte desse espaço vem sendo ocupado por criativas produções independentes. E, terceiro, que a conjuntura conservadora tem inspirado manifestações de resistência em âmbito cultural e até mesmo estético nos Estados Unidos, expressando-se também no cinema de horror.

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